“SENHOR...
o meu coração não se elevou, nem os meus olhos se levantaram... não me exercito
em grandes assuntos, nem em coisas muito elevadas para mim...”.
Salmo 131.
Nasci no interior de
Minas Gerais, numa pequenina cidade de nome tupy, ITUiUTABA, uma homenagem justíssima e tardia, aos índios Caiapós, seus primitivos
habitantes...
Que céu...ar!...rio!...
Só a intuição
indígena para tão bem escolher tal habitat!
Só quando me lembro
desta doce terra, de onde sai tão cedo, e de tudo que lá deixei, e que entendo
os nossos românticos, quando exilados, de como as suas criações poéticas eram
simples rota natural das saudades daquilo que não pode mais voltar...
Um lamento ante a
sequência inexorável do relógio tempo...
Ituiutaba, com
sua predominância absoluta de sol ao ano...Sua intensíssima luz, a musicalidade
do povo simples, com seus hábitos sertanejos e veredas regionais, as
folclóricas danças de Catira, e do Reisado, com sons típicos, solados
por violeiros calejados e habilidosos, tocados sempre nas rádios, nas festas
populares, e feiras regionais...Do
Fandango batido, às Guaranias
nostálgicas, ouvidas diariamente quando se passava por suas ruas de
paralelepipido ou de chão batido, por pessoas sentados nas sombras, sob o
frescor dos alpendres cimentados de “vermelhão”, com olhos giratórios nas calçadas, pertencentes
a corpos vividos, a observarem “mineiramente” com a natural curiosidade cabocla,
ao tudo que se passa...em que nada escapava...
Nuvens de cirros
azuladas, cobrindo o manto esmeralda da vegetação cerrada do Brasil central. Sob
um clima tropical úmido...nascem e crescem
as belíssimas Gameleiras e Jacarandás, Perobas
e Aroeiras, Bálsamos e Paineiras, dos milhares de Ipês do campo em florações
brancas, roxas, amarelas, e até azuis, sem esquecer das esculturais “Camisas
Finas”, como signo evidente da fertilidade do solo marrom massapé: “o mio du mundo!”
O céu de um anil
dégradé, vário, e “lindo demais da conta”, como dizem por lá...
O qual no crepúsculo
faz com que a terra e suas matas, e o rio Tijuco, na fartura das águas, que as
cortam, se envolvam numa simbiose fantástica de som e cores...
Até o chegar
refrescante das noites; nas quais predominam o luar do sertão... rutilíssimo,
cintilante, ornado em breves intervalos concatenados, dos vários riscos
cadentes das estrelas...
Nas auroras, os elementos mesclam-se
novamente, numa sinfonia única de esplendor, em que toda sua fauna flora, cantam,
pululam, e se movem num pulsar uno de triunfo e de ode terno à vida...
Anton Tchekchov: “canta a
tua aldeia, que cantarás ao mundo...”.
Meu vovô paterno,
vindo do Líbano, “mascateava” pelos
interiores afora do estado de São Paulo, “e os negócios não iam bem...” Até um
“brimo” libanês convidá-lo para
conhecer esse novo “Eldorado”, fincado no coração do Triângulo Mineiro; como uma mesopotâmia tropical, região formada
pelos rios Paranaíba e pelo rio Grande...
As duas “fontes”
iniciadoras da gigantesca e fabulosa bacia
hidrográfica do Paraná.
A colônia árabe da
cidade era numerosa...
Oriundos na sua grande
maioria do Líbano, mas por possuírem os passaportes do Império Otomano, ainda
que vindos da Síria e do Líbano, eram todos chamados popularmente de “turcos”:
os Dib, os Bittar, os Derze, os Andrauws, os Sabag, os Jacob, os Tahan, os
Calil, os Baduys, etc...
E nós, os Fé’res...
Que abrasileirou se em
Féres...
Vovô era alfaiate,
professor de matemática e (tradutor) do árabe; mas ali, prosperou mesmo foi
como um comerciante de secos e molhados, e foi por lá que plantou suas
raízes...
Como um
Cedro...
Ituiutaba foi
por décadas apelidada de “Arrozcap”; (“a
Capital Brasileira do Arroz”),
isso pela pujança da sua economia agrícola (chegou nos anos 60, a ter mais de
100 industrias “beneficiadoras” de cereais).
Com o passar do tempo o RS, tomou-lhe o cetro de maior celeiro do arroz do pais...
Obs: sob este mapa está localizada, parte do aquífero Guarani; a
segunda maior reserva subterrânea de água doce do pais...
Banhada pelo
majestoso Rio Tijuco, (I-tuiu-taba; significa em tupi-guarani aldeia banhada pelo Rio) e seus belos afluentes: os
córregos da Caçada, Pirapitinga, do Carmo, do Baú, o ex-“Sujo”, hoje São
José, com seus “santos” ribeirões; o São Vicente, o São Lourenço...
Estes, com suas
respectivas e homônimas serras...
Ali, com total
certeza foi um outro “Éden” tropical,
ao menos nos dias dos valentes índios Caiapós...
Que defenderam o seu
habitat estoicamente, com seus tacapes, arcos e flechas; sabe-se por relatos
históricos regionais, que resistiram muito, até serem expulsos ou dizimados,
pelas armas de fogo, dos brancos colonizadores...
Bandeirantes vorazes,
caçavam entre outras coisas, os “Chibius”,
que brotavam espontaneamente junto aos cascalhos, nas margens desse poderoso Rio...
Cresci nesta
cidadezinha no interior das Gerais;
o meu papai, farmacêutico, e político popular, era respeitado e mui querido na
comunidade, (o farmacêutico nos interiores do Brasil é até hoje uma espécie de
“xamã” urbano, que indica e orienta seus clientes em tudo, fora até da área específica
da saúde).
A minha mama, advogada e professora de
Geografia, tinha “fama” de ser uma espécie “noviça rebelde” (isso, num ambiente
acentuadamente provinciano e conservador), pelas inovações pedagógicas, com as
quais tentou nos educar, influenciadíssima por A.S. Neil; o inovador pedagogo
da londrina Summerhill, e autor do
revolucionário, à época, “Liberdade sem
Medo”.
Tudo que uma criança com seus quatro irmãos
pode desejar eu tive; nada nunca me faltou:
Tive liberdade, pão, e muito amor...
Fui criado solto, na liberdade
plena que uma cidade pequena propicia...
Assim vivi uma
infância e adolescência bem feliz...Brincava e divertia-me todos os dias, junto
à molecada das vizinhanças, nas ruas cobertas de paralelepípedos e de terra seca
batida, subindo com destreza ao topo dos “pés” de goiabas, cajus, e mangas,
para colher lá nas “grimpas” as “melhores”...
Pedalava muito de
bike, jogava bola de dia sob o sol, e a noite sob a luz dos postes elétricos; e
quase sempre que chovia, mama pedia para que fossemos brincar embaixo de chuva,
a fim de sentirmos a liberdade da doce água que caia dos céus...
Aliás, os vizinhos a
julgavam, “meio amalucada”, por esse tipo de comportamento.
Mas a sua psicologia
aplicada em nós, produzia sábios resultados...
Estudei em “boas”
escolas próximas de casa...
E no “quarto aninho”,
do antigo “primário”, após uma conversa informal com mama, entendi, afinal,
qual era a importância dos estudos na vida, (o porque tinha que interromper
meus prazerosos folguedos, vestir um uniforme medonho, e desconfortável, e
seguir diariamente para um local enfadonho chamado “escola...”)
Tornei-me, pouco
tempo após esse inesquecível diálogo, o “primeiro” aluno da minha classe
escolar, para espanto dos meus professores e até da diretora da escola, a qual
era sua amiga particular, e que me via apenas como um menino esperto, porém mui
indisciplinado e sempre relapso nas tarefas...um típico hiperativo, incapaz de
se concentrar nas aulas.
E foi por essa época
que ganhei como prêmio, uma caneta “folheada” a ouro, do Detran de Minas, por
ter escrito aos 8 anos, a melhor redação da escola; (o tema proposto fora sobre
os semáforos eletrônicos de trânsito, que se instalavam na pequena cidade...)
O dia em que recebi a
“caneta de ouro”, foi mesmo inesquecível, mas por um outro motivo histórico:
Jânio Quadros renunciara a presidência... E papai ficara mui furibundo! ...
(pois fora um cabo eleitoral fanático, tendo-o indicando como udenista, como a “grande
esperança anticorrupção”, para toda sua clientela da farmácia!)
Jânio Quadros, foi um dos pioneiros moralistas,
e neopopulistas da direita brasileira, Surgindo
no cenário político para “varrer definitivamente”, a corrupção crônica da nossa
forma de fazer política...Um Collor anos 60...algo utópico, pois sabemos que a
corrupção brasileira antes de escandalizar a política ela é fruto cultural
nato. Somos uma sociedade corrompida pela cultura da “vantagem”.
Jânio ficou apenas
sete meses no poder...
Não se sabe com
certeza, até hoje, se foram “às forças ocultas” como ele acusou, ou o álcool,
ou os dois fatores conjugados, que o “varreu” do poder máximo do pais tão
precocemente...
Porém o prêmio literário
que ganhei “salvou” do meu saudoso papai, nesse dia para ele tão frustrante, o
seu constante bom humor...
Udenista e lacerdista
de carteirinha, tempos depois, bem decepcionado com o rumo que tomou a
“redentora” (assim a direita chamava o golpe civil militar de 64), que acabou
caçando também seu ídolo mor, Lacerda, resolveu então abandonar em definitivo a
função espontânea da “indicação política” ao povão, como sempre o fazia...
Como a maioria do
povo brasileiro, adorava o futebol, e o jogava de dia e de noite, até tornar-me
o que chamam na gíria de “craque”...
Mas jamais passou
pela minha cabeça um dia profissionalizar-me, apesar das insistentes sugestões
dos “olheiros” de plantão, pois para mim o futebol sempre foi só um lazer...pura
diversão...
Torcíamos tensos em
grupos, grudados no velho rádio de pilhas, ouvindo a voz do saudoso Fiori
Giliotti, ecoando pelos ares: “abrem-se às cortinas... começa o
espetáculo!...”, vibrávamos bastante pelo nosso time preferido; que era do Rio,
ou de São Paulo, (o futebol mineiro não tinha nenhuma projeção, nem regional, pois
o “Mineirão” ainda estava sendo erguido) e após ouvirmos bordão final:
“fecham-se às cortinas, torcida brasileira... termina o espetáculo”; aí
discutíamos acaloradamente, com os colegas da rua, e depois os da escola, sobre
qual era afinal “o time melhor...”.
No início dos anos
60, Assis Chateaubriand, sofre um AVC, e mesmo paralisado numa cama, o seu
grupo vai realizando seu sonho de expansão comercial, e a “telinha mágica” ia
chegando aos interiores mais longínquos do Brasil, em preto e branco...
Assistíamos
hipnotizados, com direito a obrigatória “pipoquinha”, aos vídeos tapes esportivos, isto vários dias após os jogos, mas o que para
nos era uma motivação só...
Ali aprendíamos
atentos, observando os passos e passes de “craques” consagrados como o Pelé, ou o Gerson, “a canhotinha de ouro”, a lançar no pé do companheiro uma
bola a muitos metros de distância, a chutar forte como Rivelino, “ a patada atômica”...Ou
aprendendo na “teoria”, e aplicando depois na prática dribles desconcertantes estilo
Tostão, nos marcadores de “cintura dura...”.
Como não havia as
imagens filmadas de hoje, tomávamos conhecimento visual do “mundo”, pelas fotos
coloridas, da revista “Manchete”... Jean Mazon, foi um fantástico fotógrafo francês, que para cá veio morar,
registrou muito do Brasil daquela época, na sua poderosa Rolleiflex, as inovações que introduziu, nos novos “enquadramentos”
técnicos, das suas ontológicas fotos-reportagens (algumas delas aéreas),
expostas em cores analógicas nas páginas da outra revista rival, “o Cruzeiro”.
Nos fins de semana, íamos sempre aos dois
únicos cines da cidade, assistir aos “enlatados
de holywood”, ou as “chanchadas”
nacionais da Atlântica...Aproveitando tal ensejo, para “paquerar” as
“gatinhas” da escola, que só mesmo no escurinho do cinema se liberavam da
enorme repressão afetiva...
Meus papais, quando
questionados sobre religião, se declaravam formalmente católicos, como a
maioria dos brasileiros que assim se professam, mas não o praticam...
Todavia, bem cedo na
vida, tive uma forte inclinação, ou uma busca real disso que denominamos Deus; assistindo as procissões
clássicas nos chamados dias santos, nos quais as ruas, (inclusive a minha),
ficavam forradas de adereços e serragens umedecidas, pó de café usado, e
pétalas de rosas; e isto mui me impressionava, como ritual ablativos; a devoção
pura e o respeito das pessoas simples ao
sacro...
Comecei então,
espontaneamente, a frequentar missas aos domingos.
Elas eram sempre
ministradas em latim erudito, “ite missa est”
Eu não entendia lhufas, mas ia e voltava
sempre... pois sentia me bem só pelo fato de ir a um templo...
Ficar ali, alguns
minutos sentado, em silêncio e sozinho, nas manhãs de domingos, transmitia–me
algo inefável, uma paz interna mui preciosa; que só décadas mais tarde pude
reencontrá-la plenamente, sentado sozinho nos bancos dos templos da Congregação Cristã no Brasil...
”A paz que excede todo
entendimento, que o mundo não a conhece,
lhe dou...”.
Isto porque na
própria vida, sequencialmente, encontramos também nas suas várias vertentes
expostas, e isto é quase sempre inevitável, o seu Ponto de
Vértice; como repetia sempre com insistência esse axioma básico,
nas “temíveis” aulas de álgebra abstrata, com a inseparável baqueta de regente
em mãos, o meu saudoso mestre do ginásio, Ildefonso Vilas Boas...
Naquela idade, eu não
conseguia nem mesmo compreender muito bem, o significado exato (ou algébrico), nem o
existencial disto...
E menos ainda, o seu signo premonitório e espiritual...
Na medida em que
acumulei anos vividos, através da realidade da vida, esses três níveis foram se
confirmando plenamente para o meu entendimento do mundo...
Nadava sempre no
pequeno clube social da cidade, aprendi a nadar bem cedo, nos córregos e nos rios,
e até hoje gosto de nadar para auto analisar- me e meditar enquanto exercito-me...Solitário,
absorto, e flutuando nas águas simplesmente “mergulho” num divã composto de H2
º, quando posso nadar meus milhares de metros diários, e isto é para mim, como
se retornasse “ao líquido amniótico” maternal e perdido, onde refletindo o que já
passei, encontro sempre renovos motivadores para seguir sempre focando em
frente...
Papai
ganhou na sua adolescência, em 1937, um livro de presente do meu vovô; “O
noventa e três”, de Victor Hugo: “amo os homens que pensam... mesmo aqueles que
pensam diferentes de mim”, no
presente, uma curta dedicatória do seu papai: “está nos livros o verdadeiro
amigo, ou o único diálogo real”, eu
ainda guardo esse livro, e parte deste ensinamento até hoje.
Após
este singelo presente, ao longo de toda sua vida, papai tornou-se um apaixonado
colecionador de livros, e já adulto, montou no seu escritório de advogado,
(profissão secundária, que pouco exerceu) uma belíssima e rara biblioteca,
localizada no fundo da nossa casa. Sua coleção continha mais de 3.000 volumes,
os quais ele fazia questão de encaderná-los, um a um, com informações básicas
na capa, inclusive o seu próprio nome, e justificava (“para quem pediu
emprestado, nunca esquecer de devolvê-lo”), e se o escritor ainda fosse vivo,
lá ia ele “caçar” o devido autógrafo, ou a dedicatória respectiva onde
estivesse o autor...
Livros pelos quais, como tarefa imposta,
éramos, eu e meu mano mais velho, obrigados periodicamente, a limpá-los, e a
também catalogá-los.
Cresci “olheirando”, valiosas obras
literárias...Proust, Joyce, B.Shaw, Goethe, Poe, Guimarães Rosa, Carlos Drummond,
M.de Assis, etc...
Mas só
vindo a lê-los mesmo, e prazerosamente, quando já adulto...
Era nesse local que
ele se reunia às noites, com os seus amigos Rotarianos ou Maçons, e pessoas
várias outras também, discutindo ali calorosamente, política, e “jogando
conversa fora”, às vezes, até altas da madruga...
Conversavam sobre
literatura, poesia, enquanto ouviam os “Long
Play” da inovadora Bossa Nova;
Maísa, o Agostinho dos Santos, o Nat king Cole, etc.
Tudo regado a whisky,
e os guaranás “Antarctica”, e as salgadas castanhas torradas de cajus, das
latinhas “Iracema”; as quais caçávamos, avidamente, enquanto eles já “meio
alto”, pelos “drinks” tomados, e já empolgados nos seus assuntos, sequer nos
notavam...
No quintal da minha
casa tinha um frondoso “pé de pêssego”, mui lindo, e em volta do seu forte
tronco, foi construída uma mesa circular com bancos de aroeira maciça, a mando
da mama, onde almoçávamos, sob a sua bendita sombra, em dias especiais: aos
domingos ensolarados, nos vários aniversários da família, na Páscoa e
Natal...Refeições sempre lautas e saborosas, preparadas pelas mãos laboriosas
da Tia La Lá, minha doce mãe afro...
Ajudante sempre
presente da mama...
Por influência da
ideologia do “progressismo urbanoide”, surgida num Brasil que ia deixando de
ser “o país essencialmente agrícola”, como havíamos aprendido nas cartilhas escolares,
com a sua população já migrando celeremente para inchar as maiores cidades...
(Continha já no seu
item um, à falácia mor desta ideologia urbanista e do capital: “a de que quanto
maior fosse uma cidade, melhor seria a sua qualidade de vida”.).
Iludido por essas novidades falaciosas,
ouvidas sempre dos familiares mais velhos, quis decididamente, sair desde os 14
anos, desse “paraíso perdido” em que
havia nascido, e ficava “sonhando acordado” com uma oportunidade para sair da minha
cidadezinha, tida neste consenso “modernoso” ou pequeno burguês, como apenas um
lugar “provinciano e atrasado”.
Quando ia a uma
capital a passeio, ou férias, ficava “boquiaberto”... Admirando os seus cidadãos
“infelizes”, que por lá já “penavam”...
Mas não percebia esse
aspecto prisional, de cativeiro pós-moderno, e almejava mesmo era um dia vir a
ser como um deles.
O que não demorou
muito para acontecer...
Pois é como ditam
sabiamente por lá...”O castigo vem a galope...” já que troquei um ar (lugar)
ecologicamente e socialmente privilegiadíssimo, e por isso mesmo inegociável...
Então haveria sim,
uma “punição” com alto custo existencial a pagar pela minha vida afora, como mera
consequência desse desconhecimento adolescente, ou do menosprezo ao bem maior e
essencial à vida...a natureza primitiva, a qual já tinha como uma dádiva tão
próxima, mas desdenhada... Como não valorizar um ar puro? Que valores malucos
nos impõe um sistema de vida que só visa o lucro!...só a materialidade miserável
das coisas.
Cheguei na Cidade de
São Paulo com 17 anos incompletos...
Já conhecia a megametrópole
das várias férias passadas com meus tios que por aqui moravam...
no fim dos anos 60
era ainda intenso o fluxo migratório...
Vibrava intensamente com
o contraste claro...entre a calmaria do interior, e o que via em frenética ebulição
pela frente...
Carros e motos de
modelos tão diversos, o movimento sempre intenso no velho centro, suas ruas
comerciais hiper abarrotadas de gente. O entra e sai...O corre e corre...O
desce sobe...O vai e vem fazendo o ritmo frenético da “locomotiva do país”, ir mesmo a todo vapor...
A bela avenida
Higienópolis, aonde vim morar, com seus casarões magistrais, construídos “no
auge do café...”
Era só pisar no
início desta avenida bem arborizada, e ir curtindo sua beleza urbana; o colégio
Sion, das “madres enclausuradas”, com uma capela gigantesca em “tijolinho
inglês”; logo em frente o imponente edifício do colégio Rio Branco com a
reluzente fachada de mármore negro italiano...
O edifício Bretanha,
com uma inovadora e modernosa fachada arquitetônica; na esquina da Albuquerque
Lins, o prédio “neoclássico” da antiga Guarda Civil... Mais adiante, nos dois
passeios várias belíssimas mansões, mas já se iniciando nelas os indefectíveis
assentamentos comerciais, como a do consulado italiano...
Os
Judeus ortodoxos, com seus solidéus e barbas, os quais, ao “enricar”, migravam
do tradicional bairro Bom Retiro, circulando a pé pelo bairro, recitavam alto e
levavam o “Torá”, sob seus negros trajes típicos...
Os Beatles
urrando nos rádios dos carros e nas TVs, e nas discotecas, (esse era o nome das
lojas de discos que vendiam os “bolachões”).
A garoa perene da terra, (ela ainda existia),
caindo sobre a megalópole como nevoa suave, constante e intermitente...
As
festinhas adolescentes de gente jovem, sã e linda...
E agora
sim, poderia finalmente assistir ao vivo o meu Santos, do Pelé, jogar no Pacaembu, pois estava a poucas quadras
do legendário estádio...
Eu podia
até avistar a sua praça frontal, da sacada do apto em que vim morar...
E nessas
o coração pulsava na boca...
O tropicalismo
do jovem Caetano Veloso, convidando-nos para “tomar um sorvete na
lanchonete...” afinal, vivíamos “na melhor cidade da América do sul...” E como
era mesmo prazeroso ir “cear”, jogando conversa fora com os primos e seus
amigos, no inicio das madrugadas, no então tradicional Chic-Chá, na Avenida Angélica, isto após ter rosetado à noite, pela
Rua Augusta, das galerias e butiques “chiques”...a violência atual, era ainda
só uma ficção pro futuro, por isso era possível viver assim...
Foi por esta época
que até acarpetaram a badalada rua... (o primeiro Shopping de SAMPA, o
Iguatemi, era apenas um arremedo do atual, só com o passar do tempo viria “destroná-la”
como ícone mor de consumo de parte da elite paulistana),
A Rua Maria Antonia, com a Universidade Mackenzie de lá, e a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da
USP (onde estudaria mais tarde) de cá...
A calça “Lee”, a
legítima, (“a americana que desbotava”), a ousadia da mini-saia...
Os “flertes”
inevitáveis, e as primeiras namoradinhas, os Ateliês de artes, as exposições de
pinturas e de desenhos expostas nas galerias, nas quais ia sempre levado pelo primo
artista plastico...
O Redondo’s Bar, com “a classe” teatral
se auto-expondo, a velha Praça
Roosevelt, com seus artesões e
mendigos por opção (os pioneiros do ”Hipismo”), o teatro rebelde de Arena, (eu
“babava na gravata”, olhando o Augusto Boal, tomando café com o Francisco
Guarnieri, enquanto alguém me sussurrava quem eram, e o que faziam.) Os museus
do Masp, do M.I.S, a Orca do Ibirapuera (onde vi deslumbrado, minha primeira
Bienal das artes, com obras premiadas do primo Marcelo Féres) os últimos bondes
que saiam literalmente de linha, os novos ônibus elétricos chegando...
Metrô?...ainda só um
projeto pro futuro...
O X-burguer e o milk
Sheik, os chocolates das caixinhas clássicas da kopenhagen, com direito ao
laçinho vermelho, e o pipocar de imensas espinhas na cara adolescente, e o
consumismo yankee vindo “a jato” da sede imperial...Trazendo de brinde, a atual
desvitalização crônica alimentar, embutida no estilo fast-food imposto pelo “American
Dream...”.
Mas aparentemente, e
só assim mesmo, era tudo mesmo muito lindo, novo, emocionante, e sem aparentes contradições...
Vivia em plena e total alienação política...
Pois estávamos também
submersos no famigerado AI 5...
E eu era alguém mui
feliz e nem sabia disso...
Quis, entretanto o destino, que fosse estudar
logo em um dos colégios mais politizados da cidade...
O colégio
experimental da USP, Professor
“Fidelino de Figueiredo”, mais conhecido como colégio APLICAÇÃO...
Terminara o antigo
ginásio, na cidadezinha do interior de Minas, e agora me preparava para o
“vestibulinho” que daria acesso ao colegial...
Minha prima, que era
como uma irmã...pedira e recebera da meiga e saudosa Tia, um sim para que eu
viesse morar com eles, e assim obter uma formação acadêmica, teoricamente muito
melhor do que o interior poderia me oferecer.
Minha mama
condicionou essa minha mudança, ao “só se passasse no vestibulinho”, por isso
mesmo às minhas férias do verão de 69, fora intercalada por esse “frenesi”
vivido na capital, mas também por muito estudo...
Mal cheguei já estava
escalado num “grupo de estudo”, para o tal do exame de admissão ao colegial do
badalado e disputado colégio...
Alunos egressos de
boas escolas particulares, também estavam no páreo pelas poucas vagas
oferecidas...
Pois naquela época o
ensino público era mais valorizado, e em algumas escolas públicas como esta,
era mesmo superior ao particular, tal a formação do corpo docente selecionado e
disponível...
Formando um nível
pré-universitário e bem qualificado... (detalhe: também engajado
politicamente).
Um breve parêntese:
com o passar dos anos, o ensino público foi decaindo tanto, iniciando-se na
ditadura militar, até chegar ao nível alienante atual da infame ”progressão
continuada”, da era tucana...
Pedagogia geradora de
meros analfabetos funcionais...voltados exclusivamente ao mercado de trabalho.
Úteis mesmo só como
oferta abundante de mão de obra “barate e abundante” ao tal mercado...
Ficando só a
perguntinha capciosa: a que isso serve, e a quem interessa essa alienação? ...
Com a palavra os
sociólogos de plantão...
Liberdade esta,
apenas não concedida excepcionalmente, a um ex-professor de sociologia, que um
dia chegou a presidir este País, pedindo para que simplesmente esquecêssemos
tudo que ele havia nos ensinado sobre o Brasil...consegui governar por oito anos
sem construir nenhuma Universidade...(Lula, o “operário analfabeto” fez no
mesmo período 18! FHC foi até pior do
que o último dos ditadores militares, que ao sair do poder, pediu para que nós,
povo, simplesmente o esquecêssemos...fechando os parênteses.
Retomando...mas para
ingressar no “Aplicação”, tinha que estudar muito...”Malhar” era uma gíria
estudantil da época...E isso não significava como hoje, que teríamos que ir
para uma academia de ginástica, mas que nós teríamos era que ”rachar” o
cerebelo, exercita-lo para poder passar...
E apesar do desnível
do ensino obtido em Minas, à vontade de ficar e vivenciar as novidades foi
tanta, que me desdobrei muito, “malhei” bastante, de dia, e à noite, e até de
madrugada, e passei no tal exame admissional...
Estava com o caminho
profissional semi traçado, pois dali para a
USP seria “bico”...Nem precisaria do tal “cursinho” preparatório para
entrar na melhor universidade do país, diziam, entre os cumprimentos de
felicitações que de todos recebia, os mais afoitos...
Entretanto, a minha
vida começou a se modificar mesmo foi na classificação final destes exames:
pela classificação que obtive, a qual naturalmente, pela minha formação
escolar, não poderia mesmo estar entre as primeiras colocações.... Tive que
optar mesmo pelo período noturno, aguardando uma possível vaga ao diurno...
Período pelo qual na inscrição,
tinha sido a minha primeira opção...
Era “pegar” ou
voltar... Como não queria retornar, “nem a pau”, ao “paraíso dos caiapós”, nem
vacilei, e liguei eufórico para a mama, informando-a da vitória obtida, e pedindo-lhe
para que me enviasse logo os documentos necessários para matricular-me ainda
que no período “noturno”...
Mal sabendo que ao fazê-lo,
simbolizei também com isto, um marco inicial de um prolongadíssimo período, ou
quase uma década, de densas trevas, ou de uma escuridão intensa na minha
vida...
...O coração pulsava na boca...
...
E eu era feliz e não sabia...
|
Primeira
Parte.
Nem
mesmo o Criador consegue modificar o passado...
E
ele só nos serve mesmo como algo referencial,
para
evitar reincidências dos muitos equívocos cometidos...
Nesta época
houve vários acontecimentos marcantes na família dos tios com os quais vim
morar...E cujas consequências eu iria sentir na própria pele, como se fosse um
próprio membro original daquele lar...
Após décadas
de desafeto conjugal o meu Tio resolveu “sair de casa...”.
Indo morar de
vez com a sua amante...
O meu primo
mais velho, e mui querido, enxadrista aplicado e discípulo do nosso vovô, um
exímio nesse jogo arte; (sagrou-se até campeão paulista de 1963), sendo um
“genial”; pois treinava diariamente conosco só “memorizando”, isto é, sem sequer
fixar-se no tabuleiro, jogava com neófitos como eu, até executar em
pouquíssimos lances o fatal xeque-mate. Ele, passando por uma aguda crise
existencial, disse-nos que iria rumo ao sul do país, para descansar uns dias, mas
acometeu um suicídio, numa estrada vicinal do MT...
Pois nem o
seu corpo queria que encontrassem.
Assim ganhei
logo de cara, um lar em forte desajuste, e também de luto...E junto aos primeiros
fios de barba, também surgiam várias dúvidas e interrogações com relação à
própria vida, e principalmente à real política social brasileira do período...
Começara a
perceber as sutis contradições sociais do próprio lugar em que viera morar: o
finíssimo Bairro de Higienópolis, em contraste total com alguns bairros
periféricos da grande São Paulo (aonde estava indo, nos fins de semana, com os
colegas do noturno, praticar o meu sagrado futebol) ...
A minha “vidinha”
singela vivida no interior, e a que vivia agora, num apto de cinco quartos numa
área de luxo...O capital e o trabalho...O rico e o pobre, simplesmente
analisados, tomavam então uma outra versão reflexiva...
No meu “grupo
de estudo” do “noturno”, formado por semiproletários; que trabalhavam duro de
dia e estudavam a noite, com um discurso de classe engajado e coerente,
comprometido mesmo com a classe mais oprimida socialmente, bem diferente dos
pequenos burgueses mais “festivos”, os do período diurno.
Debatíamos
com nossos professores nas aulas, e até nos intervalos das mesmas, discutindo
tudo com muito entusiasmo e inquietação: agora, eram debates sempre exaltados
sobre a situação de um Brasil vivendo num regime militar de exceção...O porquê
disso?...das passeatas e assembleias estudantis, sempre reprimidas com tanta violência
policial...Dos protestos pacíficos sempre sufocados...Desde 1968, “o ano que não acabara”, ainda latentíssimo
em 70...Revoltas e discursos contra a forte opressão vivida...Afinal parte da
minha geração, queríamos mesmo era compreender só isto: “o porquê de tanta
repressão e tanta miséria num país tão rico?...”.
Só o fervor e
o ânimo nos debates continuaram o mesmo de antes...os temas é que já haviam
mudado, não era mais o futebol, como em Minas...agora era a real política.
Qual dos dois
sistemas seria o melhor? Ou mais justo...O capitalista que vivíamos, ou seu
oposto, o socialismo, o qual idealizávamos como saída? E qual a resistência que
se deveria se ter diante deste estado militar opressor...inclusive qual a opção
de luta que julgávamos com maiores possibilidades de uma vitória real diante de
um estado ditatorial implacável em que se vivia; pois a esta altura já havia
um canto de sereia solto no ar, ofertado como uma opção de resistência efetiva: a luta armada...
Através
dessas observações e discussões constantes, fui naturalmente sendo cooptado
como base simpatizante da organização VAR-PALMARES;
(Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, em homenagem a Zumbi dos Palmares) orientação
política de extrema esquerda (marxista-leninista) com forte penetração no meio
estudantil, uma organização política que propunha taticamente a “luta armada contra a ditadura dos patrões”; para derrubar do poder, a
elite da burguesia nacional, aliada incondicional ao imperialismo, e aos altos comandos
militares; para então estrategicamente instaurar a tal “Ditadura proletária...”.
“Construir o
primeiro estado socialista da América do Sul...”
A meta era ”criar um, dois, três Vietnã (s)...”.
“Demolir
pelas bordas o imperialismo opressor! ”.
Estas eram dentre
várias outras, “a” palavra de ordem:
“ousar lutar, ousar vencer”...
A VAR Palmares, surgiu de uma dissidência
política da “militarista” VPR, (Vanguarda
Popular Revolucionária) começando como um pequeno foco de vanguarda,
intelectualmente bem preparado, e através de algumas ações armadas
espetaculosas, (o assalto aos milhões de dólares do cofre caixa dois, do
ex-governador Ademar de Barros, “o que roubava mas fazia” por exemplo) este
fruto gordo, possibilitou financiar suas bases militantes profissionalizadas,
sem ter que se expor em pequenas e arriscadas ações paramilitares de assaltos
aos bancos, que chamávamos de desapropriação, como as outras organizações
clandestinas foram obrigadas a o fazerem, para se manterem...Formou-se um núcleo militante empenhado em atrair para a
sua Vanguarda principal, as
lideranças exponenciais estudantis, e das massas trabalhadoras, principalmente
operárias, exploradas pelo nosso “capitalismo tupiniquim ou selvagem”, (como
era denominado à época); “conscientizando”, ou politizando os trabalhadores deste
polo do terceiro mundo, a lutarem política e organizadamente por sua
“libertação” final...
E blá blá
blá...e blá blá blá...e mil outros blá blás..
O poder
transformador da palavra mundana é condicionante é mesmo forte...
E “avanti
povero, si, faremo sciopero!...viva Stalino!... viva Kruschevo!...”.Cantávamos
nos raros momentos de lazer...raros porque odiávamos a chamada esquerda
festiva...”uns acomodados e frouxos...”
“lá mea noite com cielo stellato, lo santo
papa será enforcatto!...”.
Comecei a minha, assim
chamada, “formação teórica”, lendo a “História
da Riqueza do Homem” de Leo Huberman... (Um marxista norte-americano, que traçou
um didatismo simplificado da linha da história, explicando a luta de classes
para neófitos; junto ao clássico Manifesto Comunista, de 1848 (que era a
cartilha inicial, com o final imperativo...) “Vós nada tendes a perder, a não
ser vossas prisões...
“ Proletários de todo os
países, uniu-vos! ”
Lênin, Bukarin, Celso Furtado, Gilberto
Freire, Caio Prado Junior, Sérgio Buarque de Holanda, o excelentíssimo historiador
Nelson Werneck Sodré, o sociólogo alemão, André Gunder Frank (“na esquerda,
onde está o coração” versa o prefácio do seu (“Teoria da dependência”)
“Desenvolvimento do Subdesenvolvimento”), pois era assim também, e, sobretudo,
com o coração que eu mergulhava fundo nessa onda de rebeldia e esperança de
dias melhores para o nosso país...
Marta Heineckher, Louis
Althusser, Isaac Deutcher, etc... E muito, Leon Trotsky...
Éramos simplesmente uns “istas” a mais, na infindável
divisão das tendências ideológicas, da esquerda internacional e a cabocla...
Simpatizei e
identifiquei-me com os ideais comunistas de igualdade e fraternidade, pelo meu
humanismo nato, ou pela minha sensibilidade natural ao oprimido, entretanto, só
muitos anos mais tarde, porém, vim a descobrir que os verdadeiros e
primitivos “comunistas” existentes nesta face de terra, foram num passado
longínquo, e ainda o são, os cristãos autênticos...Aqueles que cotidianamente
renunciam a si mesmo, sem dificuldades, simplesmente, e sem nenhuma causa
própria, dedicam-se, comunitariamente,
a viver e a servir e a amar ao seu próximo, num mundo por demais carente disso:
do verdadeiro amor fraterno e celestial...
E à medida em que absorvia
esta literatura política, ia deixando para bem longe aquele menino alegre de
Minas, que amava os Beatles, e os Bee Gees, que adorava o Santos de Pelé,
e que achava mesmo que um dia qualquer, caminhando distraído pelas ruas, ”sem lenço nem documento”, poderia encontrar a minha “Duda Cavalcanti da vida”, e daí então eu
seria “feliz para sempre...” (só lembrando para quem não sabe, quem foi essa
morena carioca: ela era na mídia e moda, dos anos 60, a “Gisele Bündchen” da
vez.).
E eu, o moleque que
simplesmente “matava” a todos de rir...Que era um imitador exímio do andar, e
da voz, do Mazzaroppi, que fazia com
maestria, todas as caretas e gestos de Jerry
Lewis, aprendidos no cinema...(talvez por vocação teria sido um ator), por
isso fui ficando aos poucos amargo como fel, como se fosse mesmo um proletário
oprimido e explorado...
Comia pouco, e ia
rejeitando com desprezo o estilo de vida pequeno burguês.
Eu, que era um autêntico
palhaço, que em fazendo os outros rirem, encontrava a minha própria felicidade,
um moleco, que brincava o tempo todo com tudo, e que só alegrava todos a minha
volta, fui me transformando miseramente, num robô insensível, cheio de fórmulas
explicativas de tudo sobre a vida e os homens, e apto a doar até a minha
própria vida, se preciso fosse, em prol
de algo que nem mesmo eu, como um adolescente pequeno burguês, conseguia ainda entender
claramente o seu significado institucional e histórico: “a Revolução proletária
internacional...”
E além disso, a forma
casuística e estreita pela qual essa ideia me foi passada, e eu ingenuamente a assimilei!(a
de que a “revolução socialista” seria a resolução cabal para todos os
malefícios existentes na natureza humana!...)
De que na “guerra fria”, que vivíamos, a raiz de
todos os males, provinha apenas do norte continental: sim, acreditei mesmo que
o “mal” mundial era uma exclusividade “made in USA!...”
Tornando-me assim o próprio
xiita tropical, amaldiçoando seletivamente em tudo, apenas a América do Norte,
como sendo o “grande satã” do planeta...Culpava um país no lugar da própria
natureza perversa do homem...
Aprendi logo com os
companheiros, a cantar hinos como a “Marselhesa”,
e a “Internacional”, e várias outras
canções “revolucionárias” num portonhol medonho, mas que me tornava um
visionário... Ou um parvo iludido, com apenas 18 anos de idade...
Com certeza por contar com
pouquíssimas experiências vividas, e sem afinadas orientações para a vida, como
possível contraponto; quem sabe até dos próprios pais, e eles àquela altura
ausentes; cri então, com fervor total, neste autêntico “canto de sereia...”
Dos vários que a sequência
da vida, vai nos apresentando, e ainda não temos a necessária malícia, nem
possuímos ainda os imunes “ouvidos de mercador...”.
Na verdade, tive até algumas
conversas e discussões com algumas pessoas sensatas, e mais experientes que eu,
mais próximas, que percebiam a radicalização sem volta em que ia me metendo, e
alguns me deram vários “toques” sutis, mas o jovem, e o de qualquer geração, é,
sobretudo um imediatista, um fóbico centrado na autossuficiência e também na arrogância
de suas voláteis convicções...Em outras palavras, não escuta mesmo os diversos
avisos que recebe, de que logo ali na frente, “tem um boi enorme deitado na linha...”
e vai mesmo como um maquinista afoito com tudo, cegamente, ao encontro do
intransponível, e até já avisado obstáculo...
Muito pouco se ”lixando”
para as possíveis consequências...
Lembro-me, de um diálogo
que tive com meu querido e saudoso primo Marcelo Féres, que me iniciara nas
artes plásticas; ele captou minha transformação repentina, e quis me dizer algo
sobre aquilo que eu trilhava entusiasmado, pensando em ser eu, o próprio
inventor da roda, todavia, disse-me que aquilo que eu propunha panfletária
mente, era apenas um velho cardápio “de
insensibilidades“, pois a própria
violência preconizada para atingir o fim almejado, já era um dos sintomas claros
desta tremenda insensatez, e que isto só poderia ser gerador de resultados
afins...
Ah! Se isto fosse
assimilado naqueles dias, como hoje o entendo! ...
Certamente ter-me-ia poupado de ter passado por
diversas situações bem desfavoráveis e desconfortáveis, e quem sabe dar até uma
reviravolta no meu caminho, o qual já ia se obscurecendo gradativamente...
Entretanto, não dei mesmo ouvidos...Preparava-me
com todo afã possível, para tornar-me um guerrilheiro urbano; e o meu primo,
não passava para mim àquela altura de um “desbundado”, (era assim que
chamávamos no maior desprezo, os desengajados políticos), ou então de que ele
seria apenas mais um “burguesinho sem perspectivas...” Alienado pelas drogas exportadas
pelo imperialismo ianque, para “detonar o potencial revolucionário da juventude
latina...”.
Pois nesse período houve
uma influência mui forte da filosofia pacifista, da contracultura e das drogas
lisérgicas, como formas de protesto anticapitalista, isto também ecoou na
juventude da classe média brasileira...Influência direta das mensagens internacionais
como “faça o amor, e não à guerra”, vindos dos históricos festivais musicais de
Woodstock, e da ilha inglesa de Wright, e dos inúmeros protestos pacifistas
mundiais, especialmente contra a famigerada guerra do Vietnã...
Mas nós, não assimilando a
essência da célebre frase de Che Guevara, ficamos endurecidos mesmo, e com a ternura
já perdida ou reprimida, repudiávamos também até essa forma de protestar. A
revolta contra a ditadura era mui forte. Só a nossa opção de luta proposta, a
armada, é que poderia ser a válida...Não assimilamos a sabedoria oriental de saber
tecer um “feixe”...Ou de lutar simultaneamente nas várias frentes, contra um poderoso
inimigo comum...
À medida que ia adquirindo
esse tipo de “consciência teórica”, ia “evoluindo nos estágios” até estar apto,
ou pronto para a militância armada em si...Teria ainda que “evoluir” numa
escala de três níveis básicos (teórico, ideológico, pessoal); numa graduação
evolutiva (N1, N2, N3) a serem avaliadas pelo “coordenador” do nosso grupo,
antes de poder “pegar em armas”, ou militar nas efetivas e práticas “ações
políticas”.
Como não tínhamos, ainda,
nosso “aparelho” próprio, pois vivíamos ainda na “legalidade”; encontrava regularmente
com minha base de militantes, nas ruas movimentadas do centro, sempre discretamente,
evitando ao máximo chamar qualquer atenção, pois mantínhamos um grupo definido,
permanente de estudos teóricos, compostos de uma célula com quatro membros, um
desses (o líder) se ligava ao corpo da organização...ou Da “O”, como cifrada mente, a chamávamos...
Reuníamo-nos,
periodicamente, nos mais esdrúxulos e inimagináveis locais: como bancos
desertos de praças públicas, mesas “de fundo” de bares periféricos, ônibus, e
trens suburbanos vazios, etc...Para podermos analisar os documentos vindos da Organização,
impressos nos “reco-reco” (uma
impressora artesanal), e discutirmos em grupo, os livros lidos, e demais
assuntos proibidos pela repressão da ditadura militar...
Como normas de segurança
preventiva, tínhamos os nossos nomes frios, sinais codificados para os
encontros, e senhas para confirmar os reencontros...
E à medida que a repressão
policial ia fechando seu cerco cada dia mais feroz, nas outras organizações de
luta armada mais agressivas que a nossa O., como a VPR e a ALN, o MRT, o MOLIPO, etc... (a VAR
era inclusive criticada por essas O. (s),
por ser “muito teórica, e pouco prática”), ficava cada dia mais difícil de se
encontrar em grupos, sem se expor de alguma forma...
Todo o cuidado tomado era ainda
pouco pra não ser “entregue” anonimamente, (e muitos “caíram” assim) como
suspeito de ser um “perigoso terrorista...” havia até cartazes nas ruas,
aeroportos, e estações rodoviárias, de “Procura-se”; aos que viviam na
clandestinidade e que já tiveram sua identidade descoberta, caçados agora como
os “bandoleiros” do “velho oeste’, na América do eram no sec. 19... e não fora
por acaso que tal “sugestão” viera da própria C I A...
E naquela altura, pelo
crescimento econômico atingido, os militares ficaram vitoriosos em quase tudo:
na luta ideológica, o tri campeonato mundial de futebol recém conquistado no
México, estava sendo usado, descaradamente, como marketing político; encobrindo
assim as graves e crônicas contradições sociais, foi quando lançaram o
apelativo, “Brasil, ame-o ou deixe-o”,
apostando na exaltação ufanista do “país grande”, e do verde-amarelíssimo, do “pra frente Brasil”, das obras faraônicas como a transamazônica, a ponte
Rio-Niterói, e ao “direito natural” das 200 milhas costeiras, etc...
Mas principalmente na economia...Vivíamos o
auge do “milagre econômico” do então “Czar”, o obeso genial, Delfim Neto...Numa
conjuntura internacional favorável, o PIB nacional crescia a índices inéditos,
de 7%, a mais de 10% ao ano. E finalmente, o aparato repressivo policial
montado para sustentar o regime militar, foi literalmente monstruoso...
A OBAN-DOI-CODI, o CENIMAR,
DOPS, SNI, CIE(s) etc...Todos regidos e assessorados competentemente pela CIA...Com “cursos” preparatórios ante guerrilha;
aqui, e no exterior, coordenados pela “inteligência” estratégica da nossa ESG...(Escola Superior de Guerra)
Éramos na maioria jovens
idealistas, na maioria de classe média, iludidos de que poderíamos vencer
poderosos obstáculos armados pela repressão, apenas pelo idealismo, e voluntarismo;
aliado a algo que jamais veio: o tão sonhado apoio popular “das massas
trabalhadoras exploradas”...
A bravata propagada, entre
nós, como exemplo de que o “foquismo”, que fora vitorioso em Cuba em 1959,
voltaria a triunfar em outros países latinos, já era a essa altura totalmente inviável...Pela
prevenção que este importante fato histórico levantou, acelerando um melhor
preparo preventivo das forças contrarrevolucionárias. A própria execução a
sangue frio, de Ernesto Che Guevara,
após ser capturado vivo, na Bolívia, em 1967, fora já um recado bem claro
deixado pela CIA, indicando apenas isso
ao exterminar um ícone revolucionário latino: que a inteligência do império, não
vacilaria mais, como o fizera em Cuba em 59, que simplesmente não permitiria
mais outro espaço vermelho, no tabuleiro estratégico da então “guerra fria...”
nem na longínqua Ásia (Vietnã), e menos ainda no seu quintal continental.
Só nosso radicalismo impedia de perceber o
óbvio, então menosprezávamos o envolvimento planejado, e a devida competência organizacional
da CIA, da sua reação contrarrevolucionária com prenuncio já vitorioso,
efetivada eficazmente, numa regência conjunta com a entreguista e apavorada
direita brasileira...
Ensinavam subliminarmente, ou ostensivamente
mesmo, pela mídia amordaçada e subserviente, que “comunista”, (lia-se “terrorista”),
”comem criancinhas vivas no seu café da manhã...” conseguindo bloquear e
confundir assim o possível elo conscientiza dor entre vanguarda e o povo... E
enquanto doutrinavam isto pela mídia comercial e patronal, caçavam avidamente e
engoliam vivos nos porões das prisões, em surdina, os cidadãos brasileiros que
ousaram se opor à vergonhosa ditadura entreguista instalada...Seres humanos que
lutavam com todas as suas energias e ideais, por mais justiça e melhores
condições sociais, num país inconsciente e miserável...foram torturados, e
algumas centenas trucidados nos porões das prisões.
Mas a “massa” silenciosa e submissa, dominada
ideologicamente, absorvia só o que vinha de “cima”, oficialmente; e nós, “dando
seguidos murros em ponta de baionetas”, confiando de forma ingênua ou
desinformada, que “em breve”, ou ”um dia”, os ouvidos e estômagos desse povo
secularmente subjugado, escutariam nosso clamor entranhável de Vanguarda Armada Revolucionária, e
se ajuntariam para lutarem conosco por mais justiça, pão, e dignidade...Como Ganga
Zumba, dos Palmares, há seu
tempo o fizera pela liberdade do seu povo...
A palavra de ordem era ”ousar lutar, ousar vencer! ” que vinha
grifada nos finais dos comunicados internos da O...Entretanto, na composição majoritária de classe média do corpo
da O., inexistia a identificação
original de classe per si oprimida, e dialeticamente transformadora, e os
poucos militantes que possuíam um nível ideológico mais combativo e
comprometido visceralmente, com a causa, semelhantes à Zumbi dos Palmares, estes
simplesmente morreram torturados como heróis anônimos, pela “opção turca”(silencio total ao ser preso)
que ousaram, pois a maioria da militância era arremedo do convicto
revolucionário, uns se reintegraram bem rápido no sistema econômico, para
subsistirem, e outros optaram mais tarde, por sua própria origem de classe, a
viver prodigamente, num capitalismo iníquo, o qual não conseguiram mesmo implodir...
Hoje, sabemos muito bem,
até através de documentos históricos já expostos pelos governos democráticos
ulteriores, de como a inteligência norte-americana reagiu rápido, quando sentiu
seus interesses vitais e estratégicos ameaçados, de como tão bem planejou e definiu
a situação, tapando os ouvidos, e os olhos populares, impedindo-os de
enxergaram a sua própria mísera e opressiva realidade, criando vários
artifícios Techno-ideológicos, alienantes dessa mesma realidade, e de como os
militares brasileiros, complementaram esse trabalho, em nome da Tradição, da
Família e da Propriedade, e até de Deus, operando na pura truculência, fechando
bocas inconformadas, e fraturando mãos resistentes à opressão, na prática
mecânica das torturas, e nos assassinatos e desaparecimentos anônimos...
Reverencio, in memorem, as
dezenas de centenas de brasileiros idealistas, que foram mortos, (438), afora
os índios, para tomada de terras, e os camponeses pobres, que por não terem
parentes de classe média passaram anônimos... e depois denominados pusilanimemente,
pela repressão militar assassina, de “desaparecidos”.
Pois foi mesmo, ainda que
diminuta no tempo, uma guerra civil não declarada oficialmente, na qual sempre
prevaleceu apenas à força do gigante Golias...
Davi, acuado, após um
desafio precipitadamente feito, pois não tinha ainda encontrado, nem a “funda”
nem a “pedra fatal”, (o necessário apoio popular) para atingir a testa de um
gigante super. Armado, que ao ser provocado, irou-se com tal ousadia...
E simplesmente o
trucidou...
E os altos comandos
militares,
estes sim, autênticos fratricidas, que receberam
por esse feito inglório, como “pago de troca”, do grande irmão do norte, as
velhas “migalhas” no estilo da “Aliança para o Progresso” pós-2ª guerra, que
foram, dessa vez, os investimentos maciços de capitais, e as transferências de
(TI), do tão almejado “Know How tecnológico”; ou simplesmente recebendo por
terem se saídos vencedores deste embate inglório, as tais das “batatas”; como repetiria
se vivo fosse, nosso gênio literário, o mulato mestre José Maria Machado de Assis...
Enfim, que consternação em refletir
que tudo isso foi plena, e sanguinariamente executado, excepcionalmente, para
manter inalterado o “status quo” ocidental do período, no qual o Brasil era, e
continua sendo, um dos “campeões do mundo”, da concentração de renda...(menos
de 10% da sua população apropria-se, dentro de uma pseudo legalidade
instituída, de mais de 75% das riquezas que aqui são produzidas)...
Alienação tal que
inequivocamente, gera as misérias e criminalidades cada vez mais crescentes,
estas decorrentes sim, deste desequilíbrio social nefasto, injustíssimo e até
inacreditável para um século 21...De tantos avanços tecnológicos...E tão
retrógrado eticamente!...Isso fará com que Carlos Marighela (ALN), tido como ”o inimigo
nº1 da Ditadura”, talvez daqui a uns 50
anos, seja comparado pelos estudiosos da nossa história contemporânea, a um
outro Tiradentes, este do final do séc 20, que será reconhecido como mais um
mártir latino que quis romper a corrente imperial monopolista, e opressora, do
capital internacional...E que para tanto se imolou...Ou o imolaram...
Pois este é o pecado
coletivo mortal, ou moral, da elite branca opressora e mercantil que aportou
por aqui há mais de 500 anos...Que perversamente extraditou e escravizou o
negro Africano, e subjugou e quase exterminou o índio nativo...(já que este,
mais rebelde por sua natureza livre, menos se submeteu...).
Deixando-os pelos séculos subsequentes,
gerações miscigenadas de “descamisados”, de ”sem tetos”, e de “sem terras”,
sendo atualmente os milhões de deserdados, entregues à mercê...das leis
draconianas da oferta e procura, no impiedoso e globalizado “deus mercado...”.
Elites egocêntricas, que ainda vendem
cinicamente ao mundo exterior e desenvolvido, até hoje, a espúria falácia, de
que somos uma nação formada por um povo cordato e gentil.
Entretanto, de vez em
quando, esse pano cai abruptamente, quando grupos de turistas, destes próprios
países, são, antropofagicamente, aqui assaltados...E barbarizados...
(e aí retornam os foros dos
cínicos debates na mídia, e no parlamento, se deve ou não se deve, aplicar a
pena de morte no nosso código penal, se deve ou não, se reduzir à idade da
maioridade para se assumir a responsabilidade penal).
Pois em nosso país até
hoje, infelizmente, as discussões que buscam a justiça social e uma melhor redistribuição
de renda, e também soluções ante a insana violência atual, nunca são focadas na
sua real origem formadora, ou raiz histórica...
Querem resolver essas
questões socio-estruturais, com apenas mais repressão penal e policial...E isto
é ficar, sem dúvida alguma, cada vez mais distante de uma eficaz resolução
destes crônicos e dramáticos entraves da nossa formação histórica...
Mas retornando aos anos
70...
O fuzilamento sumário de Carlos Lamarca (VPR), sozinho e seco,
dormindo sob uma árvore no sertão baiano, em setembro de 1971, numa operação
policial denominada “pajuçara” (o
que em tupi-guarani significa mui grande).Pois
era sim enorme a necessidade de exterminar um ícone da resistência armada, como
foi este ex-capitão do exército...Que paradoxalmente foi “entregue” aos seus
algozes, por uma pessoa simples do povo, um camponês explorado pelo qual ele
lutava, simbolizando com perfeição surreal o nosso total isolamento como
Vanguarda...
Ou a total incapacidade,
destas Vanguardas, de tornarem-se o elo de conscientização popular
pretendido...Pois foi esse isolamento afinal, o fator principal, a pedra jamais
lançada, que nem ameaçou o cérebro do gigante repressor, e que acabou selando a
nossa rápida e fragorosa derrota...
Lembrando que um pouco antes desse episódio
histórico da VPR na BA, a Var-Palmares já havia “caído” com tudo em SP.
Pérsio Arida, ex-Banco Central de FHC, e mentor principal do atual plano
econômico Real, era do nosso comando
regional quando foi preso; lá no Colégio
Aplicação, ele era tido como um “menino prodígio”, ou um “gênio” da tão
sonhada revolução...
Um dia, informalmente, nos
respondeu quando questionado, com um dos chavões clássicos do marxismo, de que
antes do final do século (estávamos em 70), que em 30 anos no máximo, “pela marcha do processo histórico e
produtivo” chegaríamos inevitavelmente ao poder; e ironicamente, dos que
estavam nessa conversa só ele próprio foi quem chegou lá; assim mesmo apenas planificando e tentando salvar do caos
inflacionário, o tal sistema econômico iníquo que ele, na sua juventude, tanto
queria substituir...Auxiliando a criar, com outros economistas de “esquerda”;
primeiro o fracassado plano Cruzado, e
depois o atual Real. Levando como
bilhete premiado, uma generosa participação acionária, na concessão da Telemar,
produto de mais uma e dos vários, e corruptos processos de privatizações,
efetuados na onda neoliberal da era FHC...
Primeiro “caiu” à direção
central da organização. Depois os militantes de Minas (o Co-li-na era uma parceira incorporada a Var), e do RG do sul, a mineira Dilma Rousseff, HOJE PRESIDENTA AFASTADA POR UM GOLPE PARLAMENTAR
JURIDICO POLICIAL, ela era do comando nacional quando foi presa com quase toda
direção no Guarujá, e num “efeito dominó” (pois o comportamento dos
companheiros perante os torturadores, (o dela não tenho informações seguras, o
do seu esposo na época sim, não “entregou nada importante”) quando capturados, era, com raríssimas
exceções, bem vexatório), a militância do Rio de janeiro também foi toda
presa...
Com o tal efeito dominó acontecendo, a minha prima Nádia, foi
obrigada a fugir às pressas para a clandestinidade, e logo após alguns dias,
“caiu” também...Ela, uma jovem de 20 anos, foi também barbarizada, como muitos,
pelo abominável delegado do DOPS, chefão do famigerado “Esquadrão da Morte”; o
“professor” Sérgio Paranhos Fleury...(mais tarde,
ela exilou-se voluntariamente para Portugal, querendo esquecer que viveu num
pais chamado Brasil ...Fleury a essa altura já dava “aulas” didáticas para
a polícia política, de como extrair, satisfatoriamente, as ansiadas
informações, nos interrogatórios “difíceis”...
E eu, que me preparava, com
afinco, para ser um desses que iriam “cair heroicamente” em breve, fui simplesmente poupado pelo destino, graças à precipitação desses
acontecimentos...Mas fui poupado principalmente, de ter as minhas mãos
manchadas para sempre de sangue inocente, em nome de qualquer “causa”...Ou de
ter um dia assaltado (“desapropriado”, na nossa pretensiosa moral, e linguagem
própria) estabelecimentos bancários e comerciais na finalidade de arrecadar
fundos para a tal “revolução”...
Não tive também que pagar o
incomensurável “mico”, das consequências de ter assimilado de forma tão ingênua
ou adolescente, o princípio Maquiavélico de que “os fins justificam os meios”.
E de um dia auxiliar, até com o sacrifício extremo da minha própria vida, lutando
para colocar no poder central de um eventual estado socialista, “companheiros”
de quilate moral d(el)úbios, como
os de um Pérsio Arida, ou talvez até de um Zé Dirceu da vida, por exemplo...todos,
posteriormente picados pela indefectível “mosca azul” do poder.
Livrei-me também dessa
responsabilidade anônima do militante empolgado, cego e surdo, e que sempre
+”carrega o piano!”.
A VAR Palmares propagava a doutrina de que com a revolução socialista
se criaria enfim “o Homem novo...”
Hoje me pergunto como isso
seria possível sem uma verdadeira e real “revolução” no interior de cada um...Pois em
sua maioria, com raríssimas exceções, dos seus membros eram mui personalistas,
competitivos ao extremo entre si, mui vaidosos, alguns presunçosos, outros cheios
de si próprios, como possíveis pseudo-heróis de uma causa, de moral tão petreamente
egocêntrica, idêntica em essência aos burgueses que combatiam e criticavam, e
como não havia nenhuma perspectiva de transformação psicológica, ou espiritual
a vista, (apenas a socioeconômica era visada), o que poderiam virem a trazer de
tão inovador? Que estilo de vida, realmente diferenciada ética e moralmente,
poderíamos propor?
Queriam transformar as
injustiças do iniquo capitalismo! E convenceram a muitos de nós, puros
idealistas, a o fazerem também, ainda que para isto pudéssemos em risco a nossa
própria vida, e queriam nos convencer de que esse “altruísmo” valeria sim a
qualquer pena, mas sem mostrar exemplos reais e veros em si próprio...
Entretanto, em que
melhoraríamos o atual mundo, se como agentes transformadores éramos produtos de
um sistema moralmente decadente e doentio, apodrecido de valores.
E como frutos originais deste sistema, nem
tínhamos mesmo uma percepção autocrítica e bem esclarecedora disto: a de que éramos
agentes transformadores, mas já também envelhecidos na nossa essência, “enfermos”
até nos (pré) conceitos, anseios, e
projetos...
E de que todos necessitaríamos
mesmo, era de uma transformação visceral, ou essencial, antes de qualquer
atitude transformadora socialmente...
Vejam só o que sucedeu com
a probidade ideológica, e da ilibada “ética socialista”, com o passar do
tempo...
O que aconteceu com a
simples chegada de alguns destes ex-militantes ao poder, ainda que poder burguês?
A revolução social sendo agora construída com as armas sedutoras do capital!...
O suborno e corrupção!...
Maquiavel, ainda hoje os justificando
o injustificável...Confirmando a máxima da fábula de George Orwell, de que “existe sempre, uns iguais mais iguais que os
outros!...”.
Porque isto é algo similar
aos cínicos, ou hipócritas, que hoje, enquanto teorizam sobre a importância da
uma consciência ecológica necessária, e dos perigos eminentes do “efeito
estufa” planetário, vão soltando simultaneamente, largas baforadas de nicotina
e CO2 na cara do seu interlocutor.
Hoje sei bem, que esse tipo
de gente não poderia nunca ser vanguarda de nada...
Em tempo algum...Pode ser
este um dos motivos principais pelos quais fomos derrotados tão rapidamente...
E estavam e ainda hoje
estão pretensiosamente, requisitando esse papel...
Pois nunca possuíram mesmo
nada de inovador, ou de verdadeiramente ”revolucionário”, já que nunca os
tiveram, nem qualitativos, algum para a melhora significativa da vida no
planeta...Pois nem o sentido do bem coletivo, conseguiram ainda desvendar em si
mesmos, nem tampouco a renúncia despretensiosa de si mesmo ao próximo entendem,
(algo que um cristão convicto, ou um homem “humanizado”, o faz sem dificuldades), falando pelo coletivo
são sempre sombras do próprio ego buscando apenas a notoriedade
individual...Por esse motivo mesmo sempre se dando uma importância exacerbada,
indevidamente, e em tudo...
Com a queda dos
companheiros de direção, , presos numa reunião nacional na no litoral paulista,
desconectado da O., acéfala, (com o efeito dominó acontecendo, o coordenador do meu grupo exilou-se do país a
tempo de não ser preso) e eu que era ainda um simples aspirante, chamado de N2, portanto não fui atingido pelo tal
efeito cascata dessas “quedas”...
Fui viver aquilo que
segundo a teoria leninista, (“Um passo a
frente e dois atrás“), denominávamos de “refluxo revolucionário...”.
Fui então aprimorar a minha
formação teórica...Já que a prática fora simplesmente abortada prematuramente...seguindo
orientações de um dirigente que conseguiu sair da prisão e reorganizava a luta,
fiz um cursinho preparatório, no “Equipe Vestibular”, em meio ano, e entrei na
USP, em Ciências Sociais...
No “milagre econômico”
Delfiniano, enquanto estudava, Weber, Durkheim, e Marx, acompanhava criticamente o triunfo dos medíocres, e
arrivistas de plantão, das mais diversas atividades e setores da nação, com um
desprezo ideológico absoluto...aos jovens alienados da realidade brasileira, tornando-me
assim um radical no sentido literal, e por isso mesmo mui amargo...
Perdera de vez o humor que
”salva”, segundo Carlos Drumonnd de
Andrade...
E foi assim que comecei os
anos 70...Frustrado pelo fim do “sonho” revolucionário de poder colaborar na construção
de um país mais justo e igualitário...
E por essa impossibilidade,
isolei-me mais ainda do social, e também etária mente...
Secando assim, os últimos
favos de humores da minha juventude.
E para complementar o triste
perfil que construía, perdi subitamente, minha querida mamãe, num trágico
acidente viário em Minas Gerais...
Logo após essa tragédia familiar, meu papai,
vendendo seus bens locais, veio com minhas duas irmãs menores e a inseparável tia Lalá, de mudança para SP, e juntos,
com meu irmão mais velho, fomos morar no simpático bairro de Pinheiros.
Mas a essa altura, o menino
alegre, entusiasmado, e afetuoso de Minas, já havia também “morrido“...
Surgindo no seu lugar uma
desesperança enorme em tudo...
Daí para as drogas foi só “um
pulo...”.
No começo era só a
maconha...Sabia aonde meu primo e meu irmão mais velho “moco zavam as
coisas...” comecei assim minha escalada rumo ao inferno destrutivo e
absolutamente trágico do mundo das drogas, furtando deles um enorme naco de
maconha e fumando sozinho...(e ainda ria dos dois, quando discutiam entre si
sobre quem “passara a perna” em quem... já que de mim não podiam desconfiar
nunca, pois era radicalmente contra as drogas... (E
ATÉ os vivia criticando por isso...).
Comecei a usar a
sensibilidade provocada pela “cannabis”, para ouvir música clássica e desenhar,
porque paradoxalmente não queria, nem me ajuntava com a malucada alienada da
realidade, preferia curtir sozinho...
Um dia, recebi uma carta
vinda de Londres, do meu primo Marcelo, que para lá se mudará, com doze “cabeças
de grafites” (LSD) dentro, e lá
estava escrita profeticamente só isso: “boa viagem...”.
Aí viajei mesmo... Como Adlous Huxley, descobri também um “admirável mundo novo”, de cor e de significados
nunca antes imaginado... Chegando “às
portas da percepção”,
Foi quando descobri o
significado psico social de Aparência
e Essência...
Apliquei meus estudos sociológicos nessa descoberta
fantástica, e a aceitação do sistema socioeconômico ficaria bem mais complicada
e dificultosa, no correr dos anos seguintes, tornando-me, como diria o poeta,
“um gauche” perpétuo na vida...
Não era mais o militante
robotizado por fórmulas ideológicas, porém agora intrinsecamente ao
conhecimento que adquiria das coisas e da realidade, sempre teria uma atitude
“outsider”...Era sempre alguém insatisfeito com as mazelas inerentes do
“sistema”...Daí a dificuldade imensa em inserir-me...
Por exemplo, eu que nunca
engolira o consumismo, nem a
“corrida do ouro”, para adquirir futilidades e bugigangas... Fui trabalhar como
estagiário logo numa local que preconizava tudo o que ideologicamente abominava: uma agência publicitária...
Um diretor de arte dessa
agência, numa dessas festas malucas em que começara a frequentar, viu e gostou
do meu traço rústico e mui satírico dos meus desenhos (fazia caricaturas das
pessoas só para me divertir).
Ao ver a sua própria caricatura pronta, (com
dois cifrões cravados na íris), ele gostou tanto, que quis me conhecer
imediatamente, e logo depois de cumprimentar-me pelo desenho me ofereceu uma
mesa, com material à vontade, um ótimo salário, e o tempo que eu quisesse, para
que desenvolvesse comercialmente essa originalidade...
Já ouviste alguma vez
aquilo dito do sistema do dinheiro que “o cavalo selado só passa na sua porta
uma vez...”.
Pois é, porém, comigo,
também por destino divino, nunca foi exatamente assim...desdenhei, e ainda
sobrevivi na guerra da subsistência...
Essa agência tinha a conta
da Coca-Cola (Macnn Ericsson) e eu via os meus colegas de trabalho não como
seres humanos obrigados a trabalharem para sobreviverem...
Mas sim, pessoas altamente
alienadas da real situação vivida no Brasil, e eram também, com relação à fome
e opressão política etc..Que estavam ali usufruindo o tal do “milagre
econômico” do Delfim Neto, criado na ditadura, do início dos anos 70, em que
desde o final da 2ª guerra, norte-americanizou colonialmente nossa classe média
rumo ao consumismo...
Não consegui ficar muito
tempo mesmo, fumava maconha em pleno banheiro da empresa, como que pedindo para
que me mandassem logo embora, pois pela janela enquanto fumava, via o sol, e
era verão, férias, e eu tinha só 19, e não me conformava de forma alguma com
aquela situação prisão. Ficar preso oito horas por dia da minha vida, num local
que tinha por finalidade única induzir as pessoas a um vazio chamado
consumismo... frustração total.
( Nesta vez deixei “o cavalo selado passar”, mas tive a
felicidade de na sequência da minha vida, muitos anos após, vê-lo passar outra
vez... e aí montei mesmo... dessa vez já calçando “as esporas” da
experiência...).
Com a dispersão e fim da
organização Var-Palmares; na
descrença cada vez maior da ideologia marxista como possível via de solução dos
problemas vitais, o mergulho nas drogas foi profundo...
Frustrado, e sem
perspectiva alguma, escolhi o LSD
como amparo...Num certo período consumia muito ácido, tinha também “flashbacks”,
e também vários surtos paranóicos de
perseguição policial...
Tive inúmeras badtrips,
sempre imaginando o que poderiam virem a fazer comigo os torturadores da OBAN-Doi-Codi (aonde fora obrigado a depor
sobre minha prima Nádia, que fora presa de novo quando voltou ao Brasil). Quando
depus, me confundiram, ou simplesmente simularam isto nesse interrogatório, com
um militante do PCdoB, o qual procuravam avidamente, e que estudava, como eu,
nas Ciências Sociais da USP, e “suspeitavam” que o mesmo participava como um “elo”
urbano na então persistente e resistente guerrilha rural no Araguaia, e esse
suspeito poderiam ser até eu próprio...
Bateram muito nessa
tecla...
Eu, que naquela época,
tinha mesmo saído pelo Brasil afora: estivera no MT, em MG, e em GO; mas apenas
numas de “bicho grilo sem destino”, “on the road”, e sem nenhuma grana, só com uma mochila nas
costas cheia de “pedras” lisérgicas e “ervas”, junto com outras duas “malucas
belezas” de plantão...
Que haviam como eu, deixado
o lar e a faculdade, para “sonhar” na estrada...
Viver mais uma vã procura, sendo
esta até incentivada pelo sistema...
Mas quando “o sonho acabou”
e voltando ao abrigo do “ninho” soube pela minha família que “estavam me
procurando...”.
Existia uma
intimação “judicial” para que comparecesse ao 2º exercito, sede do DOI-CODI, e
da OBAN-(operação Bandeirantes), para depor, assim que retornasse...E nesse
interrogatório, fiquei como “suspeito” de ser uma possível conexão entre cidade
e campo guerrilheiro...Como procurei não me auto incriminar, e preservar meus
amigos, pelo uso de drogas que fazíamos, (naquele tempo era lei de segurança
nacional) fui evasivo e até vacilante, nas respostas das muitas perguntas por
onde estivera e o que fizera nessas minhas andanças pelo país, gerando, com
razão, algumas “suspeitas” do meu passado...
Porém, não cheguei a entrar
no “pau” físico (pois àquela altura, o “jogo” já estava decidido e definido),
mas psicologicamente me “moeram”...
Sai de lá oprimido e convicto
de que a qualquer momento viriam me buscar de novo, para desvendar “certos
assuntos” que não ficaram muito bem esclarecidos...E aí que “a cobra poderia
fumar...” segundo a irônica ameaça de um dos torturadores ali presente...eram prepotentes
e arrogantes, eram os donos do país...
De fato, fiquei bem cismado
com esses acontecimentos, “com a pulga atrás da orelha”, pois pelas histórias
que já conhecia de cor, era mui difícil provar o contrário para a
“inteligência” do exército, sobre algo que eles já tinham previamente a sua
“convicção” formada...
Preparei-me então para o
pior, apesar do meu comprometimento com a O., já completamente extinta, ter
sido o mínimo possível, no meu delírio paranoico, até uma “opção turca”
cogitava...
(um dos sintomas claros que
gerou o excesso de violência repressiva, e o temor de quem caia nas suas
garras, era o fato estes organismos repressores nunca possuírem a dimensão
exata dos organogramas básicos das respectivas Organizações armadas que
combatiam, muito menos possuírem uma avaliação real do potencial de
arregimentação dessas O(s), seja no meio operário ou estudantil; se o tivessem
em mãos, através de um trabalho de inteligência mais qualificado, com certeza,
não seriam tão ávidos ou sedentos a qualquer preço por essas informações,
gerando a desmedida violência que estigmatizou o DOI-CODI-OBAN, o DOPS, e o
CENIMAR... como autênticos “brucutus” sanguinários).
O fato concreto é que com a proposta da
esquerda radical de “luta armada” urbana, em 1973 já estava derrotada, (apenas
a guerrilha rural do Araguaia ainda resistia, mas sem nenhum eco popular para
sustentá-la por mais tempo), com a maioria dos líderes e militantes presos,
banidos do país, ou mortos...
A poderosa máquina
repressora montada pelo estado militar brasileiro tornara-se um verdadeiro
“elefante branco...” e para fugir da ociosidade total, apenas caçavam
fantasmas...Ou procuravam avidamente “chifres em cabeça de cavalo...” para
mostrar serviço aos seus superiores...
Simplesmente tendo que
justificar seus salários...Estavam atrás de pessoas como eu! ...
Que nem sequer cheguei a
participar de nenhuma ação armada...E que naquela altura do campeonato, já
havia até trocado a eventual metralhadora guerrilheira, por ácidos lisérgicos e
baseados! ...
Em setembro de 1973, num desses vários surtos psicóticos lisérgicos que tive,
atirei-me de mergulho do 11º andar
do prédio em que morava...
Preferi a morte à tortura;
(Desconhecia ainda a sacralidade vida, a sacra resignação, e outros valores sublimes, e
bem superiores ao racionalismo materialista) .... Entendia que pulando por uma
janela, daria fim ao pesadelo da tortura, e da ansiedade mental que me tomava
há dias...
Pensando que era a polícia
política que batia com violência na minha porta para levar-me para um outro
interrogatório e torturar-me (e era apenas o meu pai, que esmurrava a porta
pois esquecera naquele fatídico dia, a sua chave)...
Foi esquizofrenia pura...numa ”nóia” de perseguição. Saltei para morrer
de ponta cabeça.
Entretanto aconteceu no
impulso do salto, algo inusitado, ou uma queda “espetacular”; na qual girando
no ar, acabei por cair sentado no ferro circular do “gira-gira”, um brinquedo
infantil no playground no pátio do meu prédio; fraturando gravemente a bacia, o
fêmur direito, o braço esquerdo e o queixo...E alguns dentes...
Entretanto, me tornei um raro
sobrevivente...
Restabelecendo-me por seis
meses imobilizado, estirado numa tração ortopédica do (H.S.P. E), Hospital do
Servidor Público Estadual; tinha ainda que ouvir dos enfermeiros, enquanto me
banhavam como gato, chamarem-me, todo dia, de “campeão”, pois milagrosamente, e não existe nenhuma
outra explicação plausível e contrária, de como conseguira sobreviver a esse fatídico
incidente...
Além do que o meu cérebro,
e a minha coluna vertebral saíram desta altíssima queda ilesos...
E para muitos deles, só
pelo fato de ter sobrevivido, eu já seria mesmo um autêntico “campeão!”.
Muitos anos mais tarde,
resignadamente, acabei aceitando o codinome numa boa...
Quando saí de alta
hospitalar, em março de 74, com uma
bengala a tiracolo, já não queria mais cursar a Ciências Sociais, mas como também
não aceitava o “sistema”, continuava com as dificuldades pessoais e
profissionais , em “inserir-me...”.
Não queria nem conseguia
mesmo me encaixar em nenhuma das atividades propostas...
Tornei-me então um mix de
lumpem-pequeno burguês, uma “figurinha carimbada” de barba longa e bengala,
dependente economicamente da família, (de atividades, só desenhava, escrevia, e
lia...) saia às noites para fumar “baseados” com a malandragem “barra pesada”
do bairro, os donos das “bocas”; e mais tarde quando eles iam fazer suas
“lanças” rotineiras, (roubos e assaltos), nem me convidavam para ir junto, pois
sabiam que a minha opção era ‘outra “: dali eu seguia era para as festinhas do
tipo ” paz e amor “, onde ia suprir ilusoriamente as carências afetivas, nos
encontros eventuais com as várias” malucas “de plantão, que conhecia todos os
dias...”.
E o vazio enorme de existir
persistia...
Passaria no ano seguinte
por um processo de internações em clínicas de recuperação para drogados, e em
abril de 75 fui preso em flagrante
numa rua do Brooklin Paulista, quando recebia umas “pedras” de presente de um
“alquimista” produtor de LSD, tendo sido enquadrado não como simples consumidor,
ou um “viciado dependente”, mas sim como parceiro de um traficante de alta
periculosidade, pela grande quantidade de LSD apreendidas com ele (mais de
1000).
Ele era o fornecedor
principal de LSD para a nata do rock paulistano...Das Rita Lee da vida e das várias
bandas de rock que surgiam...
E a polícia de
entorpecentes já o seguia há tempos, pois queriam mesmo era autuá-lo num
flagrante junto a um “consumidor”...
Para ficar bem
caracterizado a contravenção penal do “ tráfico”.
Então pela lógica normal do
que vinha acontecendo de negativo na minha vida nos últimos cinco anos, claro
que fui eu o consumidor “escolhido” pelo destino para tanto...
Foi até um “furo” de
páginas policiais...
Vieram entrevistar-me preso
no Deic, quando souberam dessa minha queda do 11º; mas eu só fixava nos olhos
do repórter, os meus olhos sôfregos e indignados, para cada pergunta idiota que
ele me fazia...
Tentando ser sensacionalista, fez umas três ou quatro
perguntas, e com meu silêncio repulsivo ele logo desistiu...E depois publicou
uma fantasiosa reportagem denominada “Quase
morreu...” no já extinto, Folha
da Tarde, do grupo Folha, dizendo que eu havia caído do 11º andar dois
anos atrás, porque tomara vários LSD fornecidos por este mesmo amigo, agora
também preso, “e que quis voar...” (fazia uns 10 anos que eu não via o tal
amigo citado, desde a infância em Ituiutaba)...Explicar aos seus “leitores”, os
consumidores de “notícias de sangue” que
naquela ocasião, preferi pular do 11º, a me entregar à polícia política,
ficaria até complicado para o jornal, então era, e é assim mesmo até hoje, que
parte da nossa imprensa mercantil, de uma forma geral, cumpre a sua função “profissional”
de “bem informar” seus incautos leitores...
Meu advogado pediu, erroneamente,
para que eu fosse “réu confesso”, tentando assim, comover o juiz de que eu era
apenas um bom moço “viciado”, abrandando a inevitável pena, ou quem sabe
cumpri-la numa clínica de recuperação de viciados...
Mas sua tese falhou redondamente
pela repercussão adquirida pelo caso, e acabei condenado como viciado dependente,
a uma pena mínima de um ano de detenção. (e o meu amigo ganhou um ano a mais
como medida de LSN adicional na sentença dada a ele).
Depois de três meses presos
num cubículo fétido do Deic,
aguardando o julgamento, veio à sentença: condenados, “pegamos o bonde” e fomos
parar no presidio do Carandiru.
Ali sim, conheci na prática
o mundo dos excluídos socialmente, e dos revoltos, confirmando in loco, a face
reflexa e desumana da exclusão do sistema capitalista brasileiro...encontrei
ali os pobres e pretos, tão decantados na sociologia como os únicos condenados
pela justiça de classe. Aprendi também que a injustiça tem a cor parda e preta
amorenada...jogados em cubículos, e tratados como feras humanas.
Tive muita “sorte” em não
ser engolido ou trucidado por “aquilo” que vivi...
Pois a advogada e tia do
meu amigo alquimista, conhecia pessoalmente o chefe de disciplina do pavilhão
que ficamos (o pavilhão dois), e só por isso ficamos lá, pois nosso destino
como condenados primários, seria o pavilhão 9, (aquele em que ocorreu o
massacre histórico dos 111).
O Pavilhão dois era
apelidado de “casa da banha” pelos presos, pois quem conseguia ficar nesse
pavilhão da Casa de Detenção, era
até um “privilegiado” pela “moleza” que ali encontrava para cumprir a sua pena,
pois lá ninguém queria saber de criar confusão não...”Ir para a rua logo” era o
lema de cada um...
Mas corríamos sério risco
de sermos molestados, pois éramos dois jovens de classe média, com perfil de
“garotos”, estes abominados, e muitas das vezes, também seviciados pelos
condenados.
Giroldo, era o nome do
temido chefe de disciplina, andando no meio de nós dois, um braço em cada
ombro, rodou conosco por todo o pavilhão e pátio do mesmo, logo no primeiro dia
de prisão, sinalizando a toda malandragem que quem mexesse conosco, poderia vir
a ter problemas com ele...
Isto significava ser
transferido, para outros pavilhões barra pesada...O P8, ou o pior deles o
P9...e de lá nunca se sabia se sairia vivo...
E este passeio surtiu
efeito imediato...
Assim que ele nos deixou,
nos ofereceram “baseados”, como boas-vindas...
Ficamos “chegados” dos
“xerifes” das celas, que é a “autoridade máxima” do presídio, e, portanto,
ninguém lá nunca se “engraçou” conosco...
Nesse pavilhão tinha uma
norma básica: o detento teria que trabalhar para o estado, como reeducação
social; a minha prima Sarah Féres, coreógrafa e artista plástica, tinha um
amigo do meio teatral, um fotografo talentoso, Ary Brandi, preso e também condenado
como usuário de maconha, (naqueles tempos se prendia e se condenava alguém
apenas por fumar cannabis, hoje nem cabe mais, esse tipo de condenado apenas
por essa contravenção, nas cadeias).
Ele, era fotógrafo oficial
do presídio, ela avisando-o, da data da minha chegada, ele me procurou, e colocou-me
como seu auxiliar no estúdio fotográfico da prisão, e foi por lá que comecei a
aprender os rudimentos, e iniciei-me na fascinante profissão de fotógrafo...
Através da qual, tive a
oportunidade de conhecer pessoas tão distintas, e interessantes, situações
incomuns e gratificantes, e até outras nações, e outros povos tive oportunidade
de conhecer, sem contar que a fotografia também me ajudou na minha subsistência
por mais de 25 anos...
Saindo seis meses depois desse
autêntico pesadelo, através de uma “condicional” obtida pelo advogado, após já ter
cumprido meio ano da pena imposta, pedi ao meu saudoso papai para morar num dos
seus apartamentos, localizado na zona oeste da cidade, no qual ele o mantinha
apenas como escritório, e lá cultivava com especial carinho a sua querida e valiosa
biblioteca.
E foi nesse local, onde
montei meu primeiro estúdio fotográfico, e também um artesanal laboratório
P&b; morando ali apenas na companhia de uma cadelinha Pinscher, de nome laika, e que aconteceu meu encontro com
DEUS...
Depois conto como foi isso...um beijo a todos que estão
seguindo MI LIDA...ou MINHA IDA...
2ª Parte
A minha “estrada de Damasco...”.
Um dia de março de 78, recebi uma carta sob minha porta, convidando me para um encontro...estava num envelope aéreo tradicional, daqueles de
bordas verde amarelo...
E sem remetente...
Era uma carta bem simples,
com poucas linhas, e pelo formato das letras evidenciava ser escrita por alguém
com algumas dificuldades ortográficas...E ali dizia, entre outras coisas, que “o
Senhor Jesus” me convidava para um encontro no domingo no ponto final do ônibus
“Jardim de Abril...”
A mim restou uma irônica e
pequena dúvida...
Mas esse tal “Jesus” marca mesmo aponto?
A forma como estava escrito suscitou mais alguma
curiosidade...pois marcava esse encontro para às 14 horas do domingo seguinte.
(Na) morava eu com uma hippie dessas bem “maluconas”
mesmo, que lendo também a carta, muito se divertia com a minha curiosidade...
Entretanto...fui lá
conferir...
Sempre “paguei para ver”, e
se a vida pudesse ser comparada a uma mera partida de pôquer, acho que perderia
quase toda “rodada”... pois até no “blefe”, eu ingênua, ou ansiosamente, “pago para
ver”...
Quis ir lá saber o porquê daquilo
envelopado viera parar debaixo da minha porta, e instigado, simplesmente fui...
Chegando ao local no dia e
hora marcados, bem em frente ao ponto final de ônibus, li o que estava inscrito
na fachada defronte:
Gongregação
Cristã no Brasil.
Nunca havia adentrado antes
num templo evangélico, e para sanar a curiosidade sobre quem me mandara a tal
carta anônima.
Lá estava eu, ateu
convicto, assistindo a um culto de louvores a Deus...
E enquanto era notado por
todos como um “estranho no ninho”; eu curiosamente observava tudo também: as
pessoas sentadas, a ordem existente, o silêncio intenso era respeitoso e uma
reverência total antes de se iniciar o culto; às mulheres sentadas
separadamente, à direita, com suas cabeças cobertas por véus brancos, e os
homens, à esquerda...
Quase todos de aparência, humildes
trabalhadores, mas todos bem asseados, e socialmente muito bem trajados...Pareciam
estar mais em uma cerimônia de formatura dos filhos...
A maioria absoluta trajavam
ternos com gravatas...
Eu, com meus olhos curiosos,
capturava o máximo de dados, para o meu plano B: se aquele convite recebido
fosse mesmo um mero blefe, aproveitaria esta minha ida até lá, para elaborar
uma possível tese sociológica, sobre “a tal religião evangélica na periferia
paulistana...”.
Iniciou-se com hinos, logo
após uma oração, e então num dado momento do culto, foi aberta a liberdade para
os chamados “testemunhos das obras” feitas por Deus, na vida de cada um...
Eis que uma mulher se
levantando, vai até ao microfone do lado feminino, e relatou em rápidas
palavras um “milagre da multiplicação”, o qual segundo ela “Deus realizara na
sua própria casa”.
Contou que ia servindo os
pratos aos seus convidados de um casamento (vindos num número maior que o esperado)
formando uma fila sem fim, e ela estava agradecendo a Deus naquela tarde,
porque “a panela que servia aos seus
convidados “inesperados” nunca esvaziava! ”.
Ouvi bem atento este
relato, e no cepticismo e condicionamento em que vivia, naturalmente, o meu
materialismo “cientifico”, vaticinou que aquilo que fora dito ali naquele
microfone, não passou de uma deslavada mentira em público! ...
Como é que pode existirem
pessoas tão simplórias crendo em coisas tolas assim ?!...
Que aquilo que ouvi, apenas
confirmou um dos cânones do “meu” materialismo histórico, de que a religião era
afinal o “ópio do povo...”
Fiquei até indignado com o
que ouvia, e também com as manifestações favoráveis da maioria daquelas pessoas,
que enquanto ouviam aquilo, vibravam e glorificavam ao seu Deus por esse feito...
Que coisa! Como pode isso?
Questionava eu, confirmando
como funcionava...
o “das opium des volkes”
Veio após
alguns cantos de hinos, a seguir o momento da leitura bíblica...O homem que
exortava “a palavra”,(abriu em São Lucas ,19, que é um relato sobre Zaqueu, o publicano: um baixinho
pecador, que subiu numa árvore para ver o Senhor Jesus passar...) num
determinado momento da leitura, esse “pastor” fechou bruscamente a Bíblia que
lia, e começou a “profetizar”...
Desvendando
coisas mui íntimas de alguém ali presente naquela tarde...alguém, que para a
minha surpresa, pelas coisas que ele ia falando, não poderia ser outra pessoa
naquele recinto, senão eu próprio...
só faltou
falar o meu nome.
Revelando algumas
coisas e fatos, que ele evidentemente poderia ter obtido por simples
informações tomadas antes com alguém a meu respeito.
Todavia, dentre
das muitas coisas que desvendava em tom profético, uma seguramente não poderia
jamais ser obtida por meras informações...
E foi isto que
mui me intrigou de verdade...
Começou falando dessa minha fatídica queda do
11º andar; disse dela, entre outras coisas, que eu só sobrevivera naquele dia, não
só pela misericórdia divina, disse que Deus me preservara, me predestinando, para
uma grande “obra” na minha vida e na minha família...
Comparou-me até com “Zaqueu;
o publicano”, mas como eu não era um homem rico, nem coletor de impostos, fixou
nosso ponto em comum na “curiosidade”, a de querer “ver” o “Senhor”...e disse
que só por isso, naquele dia já entrara a “salvação” também na “minha casa...”
(alma).
Então pensei precipitadamente, que já havia “matado
a charada” que me levara até lá: deduzi fora aquele “pastor”, que sabe por
algum conhecido, detalhes da minha vida, quem colocou aquela carta anônima na
minha porta, e no fim deste culto, com certeza, virá me chamar para fazer parte
desta “igreja”...e “para continuar colocando cartas anônimas nas portas dos
outros...”.
Pensei ser este o modus
operante de arregimentação de novos incautos para aquela seita...
Entretanto, das muitas
outras coisas que falou, disse uma instigante e oculta, que acontecera poucos
minutos antes, referente ao testemunho da mulher “da panela que não esvaziava nunca”, e que só nos dois saberíamos dos
detalhes do que se tratava...do que pensei a respeito, e do que pensei!
Disse convicto e direto
que, como eu não cri no que ouvira, embora o que fora dito ali na frente fosse
sagrado e verdadeiro... que para confirmar isto, o Senhor Deus, daria um sinal
claro na minha vida por aqueles dias, e que se por acaso contasse esse “sinal”
para outros, eles também duvidariam, como eu duvidei friamente naquela tarde, e
alguns até zombariam de mim, exatamente como eu a pouco o fizera, que não cri
nada do que ouvira, pois este sinal que receberia se tratava de um “milagre”,
mas na minha vida, e que crer em milagres era um “dom divino”, concedido a uns poucos
seres escolhidos...
Disse também que Deus,
assim como tivera misericórdia de Zaqueu, teve de mim também, pois aceitei
humildemente o convite para ir lá ouvir a palavra viva de
Deus, e fora até lá para tal...Por isso, dar-me-ia pela vida afora, “não só
esse dom (o da humildade), mas vários outros”, os quais “eu nem poderia imaginar”...
E no fim daquele culto,
surpreendia-me “o tal pastor”, mais uma vez, quando passando bem apressado por
mim, (e não era bem esse desfecho que aguardava), ele nem sequer me olhou...
Aquilo tudo me impressionou
muito, pela convicção, e veemência, e o desprendimento com que fora dito...criando
em mim uma expectativa adicional para a sua confirmação ou não...
Que tipo de “sinal” seria
esse que receberia, e se é que o receberia? ...
Naquela noite por tudo que
vi, e ouvi, quase não dormi...
E imaginei muitas
coisas...Lembrando de tudo o que havia se passado... Mas quem afinal me mandara
aquela carta?... Porque comigo? Que “brincadeira”, ou trote seria aquelo?
Sempre tive muita sede de
justiça e da verdade, por isso essas coisas simplesmente mexeram tanto
comigo...
Naqueles dias subsequentes,
isto é, numa segunda e na terça feira, o Senhor, pela sua misericórdia
infinita, confirmando aquela palavra profética do domingo, operou duas
“maravilhas” na minha vida, que se contasse aos meus amigos ateus, de então,
passaria mesmo por um grande contador de “lorotas”...
Ou de no mínimo um “pirado”...
O que era mui normal
acontecer, no nosso meio, naqueles tempos de muito “chumbo grosso...” drogas, e
desesperança no futuro.
A primeira “maravilha” foi
até “pequena” perto da segunda que viria depois...
Pedalando de “bike”, perto
do Ceagesp, seguindo na direção da praça Pan-Americana, de lá seguiria para o
bairro de Pinheiros, (fazia esse trajeto quase todos os dias para almoçar na
casa da namorada) quando de repente ouvi um estampido seco como se fosse de um
tiro...
+Quando olhei bem para
certificar de onde viera tal barulho: tive a certeza de que a câmara de ar do
pneu traseiro da minha pesada bike havia furado, pois notei que o mesmo começou
a esvaziar-se ...
Embalado numa descida, nem
quis parar...
Debilitado naqueles dias,
pois me alimentava da “macrobiotica”,
(e “sempre” refazia o tal dos 10 dias de arroz integral com Ban-chá), estava
fragilizado até para empurrar uma “bike” a pé até um possível “borracheiro”,
além do que carregava, a inseparável companheira, a cadelinha “laika”, no caixote da garupa, e neste dia tinha mais o peso de todo meu
equipamento fotográfico. (analógico)!...
Pois tinha um trabalho de
fotos para fazer naquela tarde...
Lembrei-me naquele momento
de aflição que me tomou, até de “Deus”, e pedi “como último recurso”, um socorro,
ainda que timidamente, sem fé, mas que se Ele
existisse mesmo, desafiava-O, a que me tirasse daquela situação! ...
E qual não foi a minha
grata e enorme surpresa, ao ver que eu continuava pedalando e o meu pneu não esvaziava
totalmente...
Era algo fisicamente
impossível! Pedalava e olhava, e não acreditava naquilo que via...então fui
acelerando as pedaladas, até conseguir chegar a um “borracheiro” na praça
Pan-Americana, isto depois de quase uns dois km s percorridos.
Assim que desci da bike...
Achando até que o pneu não
furara, que aquilo fora apenas uma impressão que tive...
Porém, mediante meus olhos
atentos, examinando-o bem próximo, para ver se tinha acontecido algo, aí sim, o
pneu murchou totalmente! ...
Estupefato, e até surpreso
com este acontecimento, enquanto esperava o reparo do furo no “borracheiro”,
guardei aquele acontecido só para mim...
entretanto lembrei-me,
naquela hora, da mulher “da panela que
nunca esvaziava...” e senti ali, pelo simples acontecido com um pneu de
bike, um certo constrangimento diante da incapacidade ou limites explicativos
das coisas, do meu até então todo poderoso materialismo
histórico, cientifico e dialético...
Após isto, quis mesmo
voltar àquela igreja, pois quando saia assim meio que decepcionado no domingo
(quem colocou a carta na minha porta, sequer veio falar comigo) fui tocado pelo
porteiro daquela igreja, que certamente notando isso, bateu delicadamente nas
minhas costas, e convidou-me para voltar, me dizendo a data, e hora do próximo
culto...
Contudo, quis voltar lá, mas
de uma forma diferente da que fora naquele domingo à tarde... pois achei que
alguém ali, (que eu ainda não sabia quem), me conhecia muito bem...
Tal foi o desvendamento que
fora feito da minha vida...
Então procurei voltar lá na
terça feira a noite, mas fui bem diferente de como fora na primeira vez...
Cortei os longos cabelos,
deixando-os bem curtos. Arrumei um paletó, emprestado com um amigo dandi,
tornando-me assim um “protótipo”
social, quis ficar bem “parecido com um evangélico...”.
Chegando no ponto final do
ônibus “Jardim de Abril” na terça à
noite, como também fui sem a habitual bengala, (e eu não podia andar mesmo sem
a dita cuja, que a perna direita doía muito)... Logo ao descer do ônibus, a minha
perna fraturada na tal queda, travou-se completamente...E isso era até comum
acontecer quando, rebeldemente, não usava a bengala...Não conseguia dar nenhum
passo...
E enquanto me recompunha
ali parado, fui ajudado por um “irmão”, que vendo-me de paletó, atravessou
agilmente a rua, e veio me perguntar se eu queria “amparo” para entrar naquela
“casa de oração...”.
Entrei naquele templo
apoiando no ombro daquele que sei hoje, pelo que aconteceu na sequência desta
noite, ser um “mensageiro” do Deus vivo e poderoso...
Existe em mim até hoje um
desconforto em dizer isso claramente para alguém que não crê nos chamados
milagres, mas aprendi que o dom de crer não é mesmo para todos...eu mesmo o
recebi de graça nesta noite...
Quando entrei naquele templo, agradeci aquele
homem pela ajuda recebida, preferindo sentar-me mais na parte de traz da igreja
para que o tal do “pastor” de domingo, não me reconhecesse, e ficasse expondo
novamente coisas íntimas sobre minha vida. Estava bem curioso também para ouvir o que, e com quem, e de
que forma, aquele “pastor” falaria, desta vez...
O culto inicia-se com
cânticos de louvores, e logo após vem o momento da oração. Porém o tal pastor
de domingo, me surpreendeu mais uma vez: pois naquela noite, nem era ele quem
estava lá em pé, no púlpito, presidindo aquele serviço religioso...
Era um outro...
Mas veio o momento da
oração, e uma voz feminina orava bem alto, convicta e forte, clamando em
súplicas, e com grande virtude e ímpeto, pediu que se houvesse alguém ali com
uma enfermidade dita incurável pela medicina, que o “anjo do Senhor” fosse até essa pessoa, e a curasse ali mesmo, “em nome do Senhor Jesus...”.
Encontrava-me naquele momento, de joelhos
dobrado como todos, sentindo dores lancinantes na perna direita, mas com os
olhos bem abertos, como poucos; observando tudo...Ao meu lado tinha, por
exemplo, um senhor negro, bem forte, que manifestava em alto som, junto a quem
orava, o que eu ainda não sabia ser, “uma linguagem espiritual”, expressa com “evidência
de novas línguas”, e eu surpreso e curioso, ouvia daquele homem simplório,
palavras que reconhecia serem originárias do idioma japonês mesclado, ao árabe,
e ao hebraico, e outros idiomas que desconhecia...porém eu não entendia o
significado espiritual para saber o que ele dizia...
Quando de repente, vi lá na
frente, postado rente ao púlpito algo que talvez seja mesmo até indescritível
na sua integra, pelo resultado visionário e emotivo, para poder traduzi-lo em
meras palavras; porém tento: vi algo alto, fino, incolor, um vulto estático,
mas que ondulava levemente...Sendo o máximo que consegui captar...Pois conforme
as palavras iam saindo daquela oração daquela mulher, aquele “vulto”, que
julguei num primeiro momento ser até uma possível “alucinação lisérgica”, como
que obedecendo à voz daquela que orava, veio vindo rápido, deslizante como um
flash de luz na minha direção...
Então fechei os meus olhos,
pois vi que não era mesmo uma alucinação, o temi até por um momento; e “aquilo”
que vi lá na frente, postou-se na sequência, senti-o bem atrás de mim...e apenas
sentia sua energia e uma forte vibração, mas não abria mesmo os meus olhos para
confirmar, e quando aquela voz da oração alçada em súplicas bradou alto: “o
liberte agora pelo amor do seu santo nome!”; nesse momento senti como que se
uma mão humana penetrasse na minha perna fraturada, com de pinos de platina, roçando-a
por alguns poucos e breves segundos...e quando se encerrou aquela oração e
aquele momento único, levantei-me para
assentar como todos; e eu que entrara naquele templo apoiando no ombro de
alguém, com dores agudas na articulação do osso femoral, simplesmente não sentia
mais nenhuma dor na fatídica perna...fora como se tivesse tomado algum
analgésico poderoso e anestesico, e mesmo assim ainda passei o restante do
culto desconfiado do acontecido, e “esperneando” várias vezes, só para
confirmar se havia acontecido mesmo “algo” comigo. Afinal o que acontecera com
minha dor crônica e constante da perna?
E acontecera algo sim...A
dor simplesmente sumira, só que, naquele momento, eu ainda não conseguia
dimensionar claramente o que foi que acontecera...
Quando voltava no ônibus para casa, ia
recordando a confirmação das “profecias”, do sinal que receberia, ouvidas no
domingo passado à tarde...
Aí sim se confirmou uma
verdade insofismável, pois como previra aquela poderosa palavra daquela tarde
de domingo, como poderia agora contar esse “fato” pros meus amigos (“malucos” e
comunistas) e também aos médicos do Servidor, explica-los o tal “sinal”, que
aconteceu comigo, sem passar por mais um “Nóia” e “ pirado”?
No dia seguinte, amanheci
pisando bem e firme, sem dor alguma, e só para confirmar para mim mesmo, na
tarde daquele dia, quis jogar bola com os peões da obra vizinha do prédio onde
morava, em que ia às tardes sozinho, fumar meus baseados, enquanto assistia a
“pelada” de futebol que eles sempre jogavam no fim da jornada do dia...Cheguei
e já pedi dessa vez para jogar, eles até estranharam o meu pedido, mas
deixaram...Eu o que andava sempre de bengala...Nesse dia, para espanto dos peões
de cintura dura, não só travei, como chutei, e driblei como nunca...Que saúde e
saudade estava de poder “bater uma bolinha!...”.
Estava mais que confirmado
que algo extraordinário acontecera sim naquele lugar, em que fora convidado por
uma carta anônima.
Não poderia ainda entender
na sua plenitude, pois não havia pedido nada, e recebera o “sinal”, pela minha
incredulidade: sim, fora operado por um “anjo”, ordenado por numa oração. O
“sinal” claro prometido que eu veria em breve, acontecera mesmo em poucos
dias...
E aconteceu no meu
corpo!...Para não ficar nenhuma dúvida...Como aquela pequena e sarcástica,
surgida logo após a leitura da carta convite que recebi...
Entendi sem ironias desta
vez, que Jesus Cristo marca aponto sim...E até opera se quiser! ... E se a vida pudesse ser comparada a uma mera partida de pôquer, nesta
“rodada” em que “paguei para ver”, indo a esmo nesse encontro, (como não foi mesmo
um blefe), simplesmente consegui vencer...
“Quebrando a Banca! ” Fechando-a.
Mas afinal, o que vinha a
ser esta Banca? ...
A Banca
era exatamente a vida que levei até aquele dia ...desde que “fugira” jovem do
“paraíso dos caiapós”, e me matriculara no noturno do Colégio Aplicação...
Uma vida recheada de
ilusões, tropeços, desencantos, frustrações e vaidades...(não necessariamente
nessa ordem), pois foi justamente a partir desse acontecimento único e
extraordinário da minha vida, maravilhosíssimo, e absolutamente miraculoso, que
afinal começou a surgir uma tênue luz no fim do túnel obscuro e confuso em que
estava submerso há muitos anos, iniciando aos poucos, ainda que lentamente, a
dissipar as densas trevas que me envolviam...Partindo em direção irreversível
ao encontro da Luz...E do amor celeste...Da paz excelsa que excede sim, todo o entendimento racional... Que o mundo
material simplesmente não a conhece nem a pode compreender.
.E que os corações dos
soberbos, dos arrogantes, e dos presunçosos jamais sentirão...
Ali sim, pude constatar in
loco, ser um lugar poderoso e sagrado. Não havendo o charlatanismo dos
“vendilhões dos templos...” Nem o mercantilismo dos pastores eletrônicos,
travestidos de políticos de direita, que infestam nossa vida pública
atualmente.
Não!...nem a exploração da
chamada “boa-fé” das pessoas humildes, como julgara da primeira vez que lá fui...
Então jamais poderia mesmo
esquecer esses fatos...
Ficou cravado para sempre
na minha mente, e no coração...E também na minha perna! ...para não esquecer
jamais, que em cada passo dado dali em diante, agora definitivamente sem a
bengala aposentada definitivamente, me lembrasse sempre de “que existe muito mais coisas entre o céu e a terra, do que supõe nossa
vã filosofia...”.
Ou a nossa medicina oficial...Pois
quando retornei ao Hospital do Servidor Público, o que era uma rotina semestral
de acompanhamento médico, o D Yacovani Zaggo, o médico que me operou e
acompanhava a evolução do meu caso, ao ver-me andando muito bem e sem a
bengala, chamou-me até a sua sala, e com ares de muita preocupação, procurou no
meu prontuário e mostrou-me pela primeira vez a radiografia do que se tornara
minha cabeça de fêmur na bacia, e disse que o que fazia não era bem ético, mas
que o fazia para apenas “me ajudar a deixar de ser teimoso” e lembrar de andar
“sempre com a bengala”, pois o meu caso era mesmo gravíssimo, e caso não me
conscientizasse disso, em poucos meses ele estaria “operando-me de novo...”.
Entretanto, para cumprir
integralmente a profecia da palavra
ouvida no Jardim de Abril, como
poderia contar para um médico que simplesmente um “anjo” veio ao meu encontro e
me operara? ...E também que até futebol já jogara! Como contar isso sem passar
por um grande mentiroso ou então um “maluco de pedra”? ...
Fiquei só o escutando, bem
quieto, mas sorridente por dentro...realmente, o dom da fé, e de crer em
milagres não é de qualquer um mesmo, de cépticos, e de São Tomé (s) o mundo
está abarrotado...é o que mais tem...
Aliás, esse mesmo mundo que
se materializa cada dia mais, que cultua só o corpo material em detrimento ao
espírito, e interpreta até como blasfêmia, ou insulto a “inteligência”, a
simples menção de prodígios e maravilhas operadas sempre por Deus, as quais, são
propositalmente ocultas aos sábios e entendidos desta Terra, mas desvendadas
por misericórdia, aos pequenos, e humildes escolhidos por ELE...
Porém, muitos anos após, com meu papai estando
lá internado, voltei naquele hospital, livre da bengala, e andando muito bem,
sem temores de ser desacreditado ou ridicularizado, e ele próprio, como médico
mais do que ninguém, poderia constatar a veracidade ou não desse acontecimento.
Mas queria falar-lhe outras coisas também...Principalmente das maravilhas, e
das delícias de viver sob a graça de um Deus vivo, que me resgatara do abismo
existencial em que padeci por muitos anos...
Porém, informando-me no
Hospital, soube pelos enfermeiros mais antigos, (uns até se lembraram, com
carinho, da minha passagem por lá, “do campeão”) que, infelizmente, esse
simpático médico, já falecera...
Por minha formação, e pela minha “dureza” de
coração, demorou mais alguns anos ainda, até tornar-me um convicto cristão...Convertido
à verdadeira doutrina santa do amor celeste...(René Guenon, mesmo tendo se
convertido ao Islã, confessa num dos seus inúmeros ensaios teosóficos, de que o
cristianismo em sua essência, foi a mais sublime criação ideológica e prática
que a humanidade recebera das mãos de Deus, o difícil para a humanidade é entende-lo
e praticá-lo na sua integridade espiritual) já que muitos hipócritas,
“fariseus” e oportunistas o professam; existe um desconhecimento de algo que é
muito conhecido formalmente por quase todos os humanos.
Daí a máxima bíblica
seletiva: “muitos serão os
chamados, mas poucos os escolhidos”.
Fiquei com aqueles
acontecimentos plantados no meu coração, fui mudando aos poucos minhas
convicções materialistas, niilistas, eliminando pouco a pouco os meus hábitos
mundanos, deixando e sendo deixado pelos antigos “amigos”, sendo
preconceituosamente estigmatizado, por ter assimilado aquilo que só os
“simples” podem fazê-lo...
Pois de repente, na minha trajetória
de vida, descobri que todos os seres humanos poderiam ser meus amigos em
potencial, serem meus irmãos na fé, e que minha “família” aumentara consideravelmente...
não seria mais exclusivista, nem seletivo ao extremo como um comunista ortodoxo,
por exemplo, o é; e a partir daí meu condicionamento materialista, e até meus
vícios, foram se evaporando, com o passar dos dias, meses, anos.
Em 79, retomando os estudos, fiz um “cursinho” pre vestibular e fui
cursar Letras Germânicas na USP, e voltei a
trabalhar com muito afinco e dedicação impar com a Fotografia...
Fui sendo “limpado”
gradativamente, despojando–me pouco a pouco do homem velho que jazia dentro de
mim, até um dia entender, o que é reviver ou caminhar numa porta aberta chamada
Cristo, em espírito, em verdade, e em novidade de vida, “descendo nas águas” do
santo batismo...
Morrendo literalmente para
as vaidades mundanas e ressuscitando, como um marco inicial...
Para um outro estilo de
vida...
Mas a
conclusão desse processo espiritual, ou minha “morte” para as coisas mundanas,
só aconteceu mesmo na reaproximação com minha saudosa vovó materna, em 81, cuja vida foi dedicada em grande parte, a servir a Deus nessa
denominação.
E eu não sabia...
Sonhei que ela iria morrer,
e me apressei em ir visitá-la no interior de SP, em Araraquara, e lá tive uma
surpresa agradável ao saber que ela fazia parte dessa mesma “Igreja” que eu
mantinha em segredo no meu coração...
A mesma denominação em que,
por dádiva divina, fui operado na minha perna, há três anos já passados, por uma
simples petição orada...
Lá a mocidade que visitava
vovó regularmente, (ela estava enferma, acamada, então eles iam até sua casa
fazer um culto doméstico em retribuição aos 25 anos que ela trabalhara na “obra
da piedade” desta igreja) ...
Depois eles me convidaram
para ir “congregar” com eles, eu que nunca ouvira esse verbo até então, relutei
em ir, estava de novo com os meus cabelos compridos e etc...Mas a voz da saudoso
vó, vinda do quarto em que estava deitada e escutando nossa conversa, foi mais
que convincente:
“Você vai lá em espírito...” e fui mesmo...
E lá, de novo, a palavra ouvida, nessa noite, “falou”
com minha alma de forma entranhável, incompreensível mesmo ao homem
natural...Ligando “a palavra” que ouvira da primeira vez no Jardim de Abril, (São
Lucas, c. 19); isso três anos atrás, com a daquele dia, (sobre “o filho
pródigo”), de uma forma tão intimista, com detalhes nominais, que por mais
genérica que fosse a explanação para as várias pessoas ali presentes, sós eu e
mais ninguém nesse planeta, compreenderia que era com minha alma mesmo que o Espírito Santo de Deus dialogava,
através de palavras saídas pela boca de um se Humano...Mistério que poucos tem
a sensibilidade ou a dádiva de receber e viver...Pois, hoje sei muito bem, que “a graça de Deus não é de quem quer, nem de
quem corre, mas de quem o Senhor se compadece, e usa de sua infinita misericórdia...”.
Então recebemos de graça o
inimaginável nesta terra...E nesse dia, em Araraquara, através dessa palavra
ouvida com absorção total, ganhei o mais sutil e belo presente da minha vida, o
qual como uma jóia preciosa, guardo dentro do meu coração: a convicção
inabalável...De uma esperança tangível, de que um dia, se formos justos e fieis
aqui nesta face de terra, à sua santa doutrina, poderemos como prêmio
prometido, contemplar a face do nosso Pai celeste, sem véus, como ela é.
Nessa época estudava letras Germânicas na USP, e planejava
graduar-me em fotografia técnica, na Alemanha ocidental...
Foi uma guinada de 90
graus...
Deixei a faculdade, mas
teimosamente segui para a Europa.... Pois ganhara uma bolsa de estudos do Instituto
Goethe, e não queria perder a boa oportunidade...Já estivera no velho
continente, a passeio, dez anos antes, e sempre pensava um dia em voltar para
morar...Dessa vez fiquei quase um ano por lá...Mas nada dera certo como
planejara antes, e nem poderia dar mesmo, pois isso já não existia mais em mim
como um projeto de vida...
Só valeu mesmo pelas
experiências e conhecimentos adquiridos...
Aliás, quando se percorre o
caminho em direção as coisas espirituais, quando buscamos diariamente nossa consagração a Deus, seguindo uma
vocação amadora proposta...Vai se morrendo gradativamente para as aspirações ou
vanglórias humanas...Aprendemos naturalmente que ”as outras portas, são
simplesmente fechadas...” não temos mais preparado a mera satisfação das nossas
vaidades pessoais...Nosso foco torna-se outro...
Então... Aufwiederhoren Deutschland! Nie mehr!
Und ich habe nach Brazilian geflogen…Meine lieber land